As eleições, ponto decisivo
Nair Costa Muls*
As eleições que se aproximam se colocam como ponto decisivo para o destino da sociedade brasileira. Todavia, as perspectivas não são muito animadoras. Pode haver uma total reversão da democracia, se a ultradireita obtiver a maioria dos votos. E mesmo se as forças democráticas ganharem as eleições, o dilema não está resolvido. Um grave conflito social está instalado.
Mas é importante lembrar que somos todos, cada um de nós, responsáveis pelo resultado final. Está em jogo não só o avanço da resistência democrática, como disse o ex-ministro Roberto Amaral em artigo recente (28/09), como o fortalecimento de um processo econômico que possa atender, real e definitivamente, às necessidades de uma economia independente e soberana e, nesse contexto, as necessidades de todos os segmentos da população brasileira. Uma economia que se construa nos termos da justiça social. E é bom lembrar também que o capitalismo pode ter uma face mais humana se conseguirmos redirecionar o seu princípio básico: a exploração da força de trabalho para possibilitar um lucro cada vez maior para o capital. Pois não podemos nos esquecer que os produtos, as mercadorias e os serviços só cumprirão o seu papel se forem adquiridos pelos diferentes segmentos da população, mesmo por aqueles situados na base da pirâmide social. Para isso é preciso que esses diferentes segmentos disponham de recursos para a sua compra.
Ou seja, de um salário ou de um provento justo ─ no caso da força de trabalho, pois aqueles que se situam no corpo e no pico da pirâmide são geralmente muito bem aquinhoados. É preciso também que o Estado cumpra o seu papel, que é, entre outros, a implantação de uma política econômica independente, que promova o desenvolvimento do País, o aproveitamento equilibrado, soberano e sustentável de seus recursos naturais e atente para a distribuição justa da riqueza criada.
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No entanto, não têm sido essas as preocupações nem da economia brasileira, nem do nosso Estado. Ao contrário, nesses últimos três a quatro anos, o predomínio do capital financeiro, sob as injunções do capital internacional, tem levado a um acirramento do lado perverso do capitalismo. E, pior, com a inteira concordância do governo Temer. Para isso, o impeachment da presidenta Dilma e para isso o processo contra o ex-presidente Lula e a sua prisão. Pois o capital internacional ─ e as elites nacionais a ele associadas ─ e seu projeto de supremacia geral a se espalhar por todas as partes do mundo que disponham dos recursos naturais essenciais para o fortalecimento dos diferentes setores de sua indústria não se conformam com o modelo socioeconômico instaurado pelos governos Lula-Dilma, que, apesar de seus erros, abriu novas perspectivas para o País.
E mais, quebrado o pacto mínimo de ajuste da Nova República ─ uma política de reconhecimento dos direitos básicos da população mais desfavorecida, tais como um salário mínimo mais decente, moradia para os mais carentes, bolsa-família, programa de saúde mais acessível, escola para todos, ou seja, uma perspectiva de ascensão social ─ a população brasileira está percebendo as enormes perdas sofridas e o processo de espoliação que se instaurou. Insatisfeita e decepcionada, torna-se presa fácil da radicalização iniciada pela extrema direita, que se se aproveitou do vazio deixado pela esquerda brasileira. Até mesmo o PSDB perdeu a sua função de dar um rosto mais humano ao conservadorismo brasileiro. E a esquerda não assumiu a sua razão de ser. Ou seja, mesmo no poder, nem fez as mudanças necessárias nem conscientizou os desfavorecidos preparando-os para uma mobilização efetiva e eficaz. Não aproveitou o seu período de hegemonia para promover as mudanças necessárias, sobretudo aquelas referentes à estrutura política e à estrutura tributária; a estrutura de classe e as desigualdades extremas permaneceram. Arcaicas, pesadas e sustentando o mesmo sistema econômico e político, a mesma predominância da elite brasileira, com o estado atuando em seu favor. Sempre a casa grande e a senzala.
A extrema direita, adquirindo ares factoides, está sabendo manejar essa insatisfação: absorve parte da pauta popular da política econômica, critica a desigualdade, aponta caminhos, mas sempre com um tom irônico e exagerado, que possibilita a seus seguidores não levar muito a sério as pesadas ameaças à democracia , à liberdade, à solidariedade e respeito aos outros (como fizeram os lideres fascistas tais como Hitler, Mussolini, Berlusconni, Sarkozi), mas sempre dando força aos pilares da econômica capitalista: agronegócios e mineração, indústria armamentista, todos com vínculos fortes com o capital internacional, Igrejas conservadoras, imprensa, que talvez sejam os seus reais financiadores.
Descontentamento brutal com a situação e acirramento brutal do conflito social. Uma insurreição social está à vista. Quem está preparado para ela: a ultradireita ou a esquerda? Toda insurreição pode ser positiva ou negativa. Pode possibilitar a emergência de novos sujeitos políticos. Mas o programa da ultradireita não é “engolível”: significa simplesmente, além de todo o arsenal de desrespeito e supressão das minorias, garantir a vassalagem ao capital estrangeiro e a predominância do mercado. Nesse contexto, o papel da esquerda é fundamental, pois apesar de todas as más línguas (que proliferam na mídia conservadora), a esquerda não pode ser comparada com a direita, pois o que busca, na verdade, é a manutenção e o fortalecimento da democracia. E, nesse caso, tem que ter aprendido a lição da História: não pode se abrir para mais um acordo de cúpula, buscando “ uma conciliação quando mais aguçadas estão as contradições entre o capital e o trabalho, entre a produção e o rentismo, entre o desenvolvimento e a especulação, entre a ascensão dos despossuídos e a concentração de renda, entre o interesse nacional e as exigências de um sistema internacional desesperado por alternativas de realização de lucros” como bem lembra Roberto Amaral em seu artigo, defendendo ainda a necessidade urgente de uma efetiva mobilização das massas.
A esquerda precisa vencer os seus medos de mobilização das bases e tomar a frente desse movimento de mobilização. Precisa compreender e ultrapassar seus equívocos, sua fragmentação, que levou a uma dispersão de energias, seus retrocessos, seu medo atávico e paralisante do caos. Se reinventar. Se virar do avesso, fazer acontecer, como diz Saflate.
Mas a responsabilidade das elites também é grande, defende Ricardo Semler, empresário paulista, sócio da Senco Partners, e ex-vice-presidente da Fiesp, em recente entrevista na Folha: “A reação de medo e horror da esquerda, Ciro incluso, é ignorante. Vivemos, nós da elite, atrás de muros, cercados de arames farpados e vidros blindados…. “ E continua: “É melhor aceitar que o País é profundamente injusto e um lugar vergonhoso para mostrarmos aos nossos amigos estrangeiros e que nada fizemos da estrutural para impedir esse sistema de castas que se instalou no País”. E conclui de forma saborosa: “Este país precisa de um governo para quem tem pouco (…) Nós da elite , sabemos nos defender. Depois do susto, o dólar cai, a Bolsa sobe e voltamos a crescer”. (…) “Colegas da elite, acordem! Não se vota com bílis. O PT errou sem parar nos 12 anos” (…) “ mas ainda é melhor que o Centrão mega corrupto ou uma ditadura autoritária. (…) “Não vamos deixar o pavor instruir nossas escolhas.. “O Brasil é maior do que isso e as elites podem ficar também. Confiem.”
* Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich
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