Opinião

As neves do Chacaltaya (I)

As neves do Chacaltaya (I)
Crédito: Pixabay

“Mas onde estão as neves de antanho?” (Villon, “O Testamento”, citado por Paulo Rónai)

Estive no topo do famoso Chacaltaya em 1986. Foi numa das vezes em que – tocado visceralmente pela beleza da paisagem, edificações portentosas e muitos outros intrigantes e abundantes sinais deixados por civilizações que habitaram a região em tempos anteriores à história conhecida dos homens – percorri como turista as regiões andinas da Bolívia e Peru.

Excedendo os 5 mil e 400 metros de altitude, com o pico e encostas cobertos permanentemente de neve, o monte figurava como destino indesviável nas rotas dos adeptos de esqui. Oferecia sedutoramente aos apreciadores dessa eletrizante prática esportiva as pistas mais elevadas do mundo. Para chegar à estação de onde os esquiadores se lançavam em temerários deslizamentos pela superfície nevada, tive que valer-me de um jipe velho e barulhento, conduzido por jovem motorista com pendores pra piloto de “fórmula 1”. O veículo passava a impressão de ser remanescente da frota despejada pelas barcaças das forças aliadas, no dia “D”, nas praias da Normandia. Por estrada íngreme e encaracolada trafegavam outros jipes de igual aparência, em sentido inverso, disputando corrida de velocidade numa faixa de terreno danada de estreita, circundada por abismos colossais. Pra não estragar, assim logo de cara, o passeio, optei por uma oração fervorosa ao anjo da guarda a ter que recriminar o motorista pela postura descontrolada ao volante. Desci do jipe no fim da subida com as pernas bambas, a respiração ofegante, o coração dando trepidantes cabriolas no peito. E não apenas pela sucessão de sustos da escalada. O “mal da altitude” (que tanto atormenta os adversários dos bolivianos nas disputas futebolísticas), agravado pela temperatura glacial dominante, dificultou tremendamente a curta caminhada, menos de 300 metros, até a estação. Um chá providencial de folha de coca, rotineiramente reservado para esses instantes de desconforto, serviu para aliviar o mal-estar. Senti-me liberado, pouco adiante, para compartilhar, por inteiro, com centenas de visitantes de diferentes partes do mundo, o deslumbrante espetáculo escancarado, num impulso de prodigalidade sem par da Natureza, ao olhar extasiado da plateia agrupada, naquele mágico instante, no platô mais elevado daquela que é uma das montanhas mais imponentes dos Andes.

Passo aos leitores essa historinha singela, para transmitir uma estonteante novidade: Chacaltaya não existe mais. Pelo menos a Chacaltaya retratada. A montanha continua lá, majestática, referência soberba na geografia andina. Mas a neve se desfez. A natureza resolveu reagir à insolência humana configurada no aquecimento global.

O relato sobre o que aconteceu no Chacaltaya tem prosseguimento no comentário vindouro.

Vez do leitor. A propósito da série de artigos, aqui estampados, sobre sítios arqueológicos assombrosos e paisagens deslumbrantes existentes na Cordilheira dos Andes, recebi as mensagens de leitores abaixo registradas.

·Escritora e acadêmica Alice Spíndola: “Cesar Vanucci, estimado jornalista, querido amigo, estou estudando o Peru e o Equador, a cada dia que passa descubro mais coisas. É incrível a riqueza de mitos, lendas. A literatura é muito rica. Poetas do Equador estudam em Paris, vezes muitas são mais conhecidos na França, como é o caso de Alfredo de Gangotena. Nazca fará parte deste estudo”. 

Jornalista Orlando Almeida: “Caro mestre e amigo Cesar, sua descrição minuciosa sobre as maravilhas encontradas na cordilheira andina, do Peru e da Bolívia me transportaram virtualmente para todas as regiões mencionadas, principalmente para o Lago Titicaca. Como gostaria de visitar todas as regiões retratadas nos seus artigos! Nunca é tarde para aprender e saber mais sobre as antigas civilizações com todos os seus mistérios. Obrigado pela aula.”

Ana Elvira Porfilho: “Visitei o Peru e encantei-me com todas aquelas impressionantes fortificações. Foi a viagem dos sonhos.”

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