Associações criam taxas de condomínios irregulares

Kênio de Souza Pereira*
Durante muitos anos os Tribunais de Justiça condenavam os réus nas ações de cobrança movidas por associações de moradores ou de determinado loteamento fechado a pagarem as contribuições associativas, chamadas erroneamente de “taxas de condomínios”, sob a alegação de que estes se beneficiavam dos serviços de controle de portaria, da segurança e da limpeza que foram implantados no loteamento.
Diante dessa ideia, proliferaram associações com poucos associados que se aproveitando da falta de conhecimento dos proprietários dos lotes passavam a enviar centenas de boletos cobrando valores daqueles vizinhos que nem sabiam da existência da referida associação.
Entretanto, muitos acabavam pagando com medo de serem processados e terem que gastar mais para se defenderem na Justiça, sendo óbvio que tal pagamento decorrente de coação não corresponde ao ato de se associar.
Essa farra perdurou por muito tempo, até que centenas de processos de cobrança passaram a ser analisados pelos Juízes, Desembargadores e Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que perceberam a má-fé de supostos “Loteamentos Fechados” ou “Condomínios Fechados” sustentados por cobranças irregulares e sem fundamento.
Em vários casos se tratavam de loteamentos comuns, nos quais a maioria dos compradores nunca imaginou que seriam surpreendidos com boletos de associação que inexistia quando fizeram a aquisição.
Há ainda alguns moradores inovando ao criarem associações com vizinhos que não chegam a representar 10% dos proprietários, mas querem obrigar os outros 90% a assumirem despesas mesmo não sendo associados.
Diante desses abusos que denunciamos a partir de 2004 em nossos artigos, nos quais alertamos que os magistrados ao condenarem os proprietários a pagar as contribuições associativas com base na alegação de enriquecimento sem causa, sob a justificativa que esses eram beneficiados pelos serviços de portaria e segurança – mesmo não os tendo solicitado – estimulou o crescimento de associações irregulares criadas por pequenos grupos em vários loteamentos.
Demorou 11 anos para o Poder Judiciário perceber que estava sendo utilizado para gerar lucro para alguns grupos. Em 2015 aconteceu o que previmos. Houve uma grande mudança que acabou com a farra das sentenças condenatórias proferidas sem verificar a existência de uma convenção registrada no Ofício de Registro que estipulasse, de maneira clara e notória, a obrigação de pagar taxa de condomínio em determinado loteamento fechado ou a real intenção de se associar daqueles que eram surpreendidos com as ações de cobrança.
Em março de 2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme Recursos Especiais nº 1.439.163-SP e nº 1.280.871/SP, julgados pela Segunda Seção, consagrou que nesses casos deve prevalecer a disposição do artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal que determina, “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Dessa forma, o STJ deixou de utilizar a tese do “enriquecimento sem causa” que fundamentava a cobrança e passou a valorar a liberdade do proprietário se associar ou não, além da boa-fé, pois ninguém é obrigado a pagar pelo que não contratou.
Os Recursos Especiais nº 1.439.163-SP e nº 1.280.871/SP, têm orientado os magistrados dos Tribunais Estaduais, visto que o julgamento foi realizado nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, no qual seu resultado passa a ser a diretriz para as futuras decisões, tendo como ponto central a fixação da tese de que “as taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram”.
Diante da nova posição unificada das duas Turmas do STJ, somente os proprietários de casas e terrenos de loteamentos fechados que se associaram formalmente à associação ou que conste na matrícula no Ofício de Registro de Imóveis uma convenção que estabelece de forma clara o rateio das despesas pelos serviços prestados, são obrigados a pagar a taxa associativa.
Entretanto, continuam a surgir novas associações que criam esquemas para forçar o pagamento das contribuições em loteamentos que não foram concebidos para serem condomínios fechados.
Diante da intenção deliberada de criar uma associação para induzir proprietários de casas e lotes que nunca se associaram a pagar o que não tem base legal, especialmente depois do STJ ter liquidado qualquer dúvida sobre a questão, percebe-se que essas “novas aventuras jurídicas” podem acarretar processos penais contra seus criadores e gestores dessas associações.
Isso, porque, diante do modus operandi, aqueles que se organizam para coagir quem não é associado a pagar taxa associativa, pode estar cometendo vários crimes, uma vez que não restam mais dúvidas sobre a proibição dessa prática. Pelo visto, o Código Penal passará a fazer parte da história de algumas associações de condomínios e loteamentos fechados.
*Advogado e Presidente da Comissão Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG, Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal, Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis e Membro do Ibradim – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
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