Opinião

Balde de piche

Balde de piche
Crédito: Freepik

“Quem com piche picha, com piche será pichado.” (De um Delegado do interior)

Nas caladas da noite, volta e meia incorrigíveis vândalos insistem em enfear a paisagem arquitetônica, indiferentes aos prejuízos causados aos cidadãos e ao patrimônio público. Com seus “baldes de piche” e garatujos indecifráveis ou mensagens impertinentes, borram fachadas de prédios, muros e paredes recém-pintados, monumentos, com frenética disposição destrutiva. Indoutrodia a televisão mostrou imagens de mais uma desconcertante “proeza” dos pichadores, tendo por alvo espaço da Maternidade Hilda Brandão, pertencente à Santa Casa de Misericórdia. O prédio mirado na ação vandálica, tombado pelo Patrimônio, está passando por um processo de revitalização. Sobre a pintura ainda fresca de sua face externa ocorreu a pichação. No dia seguinte, zelosos funcionários da instituição cuidaram de remover a sujeira. E não é que, já na madrugada seguinte, por mais inacreditável que pareça os pichadores “voltaram a atacar”? 

O repudiável episódio permite-me recolocar aqui uma historinha relatada há mais de dois decênios.

O cidadão identifica-se no telefone como frequentador assíduo destes escritos. Não contendo a satisfação pelo aumento do número de leitores, exprimo-me de forma um tanto desajeitada:

— Você é o 24.

— Mas, como? Reage ele, o tom de voz contrafeito.

Demoro um pouquinho a explicar que em artigo de dias atrás andei recenseando 23 leitores pras coisas que escrevo. Com sua adesão, o número está se elevando, naturalmente, a 24.

— Pula o número.

— Como?

— Passa para 25. Nesse negócio de número, sou que nem os ianques: tenho lá minhas superstições. Eles são cismados com o 13. Tanto é que excluem o 13 da numeração de andares e elevadores nos edifícios. A minha cisma é com o 24, tá bem?

Foi assim o começo de conversa com o 25º cidadão que se declarou disposto a integrar o meu seleto, inteligente e culto público leitor. Na continuidade do papo ele comenta artigo onde deixei consignado meu inconformismo com relação a atos rotineiros de vandalismo praticados por pichadores.

Conta-me que, há alguns anos, na cidade do interior, onde morava, problemas muito parecidos de vandalismo foram enfrentados e coibidos de forma assaz original.

Caso é que o delegado do lugar, depois de campana bem-sucedida, identificou o bando de desocupados que, durante as madrugadas, enfeava muros e paredes com garatujos traçados a piche, revelando especial predileção por superfícies recentemente pintadas.

Representantes do jornal e da rádio locais, ao lado de outros interessados, foram convidados a conhecer, na Delegacia, os malfeitores. Ficaram sabendo que eram rapazes de famílias bem-postas na sociedade. À hora em que os moços entraram na sala, os convidados se deram conta de que todos eles, possuidores de cabeleiras esparramadas ombro abaixo, ostentavam, constrangidos, um penteado pra lá de extravagante. O arranjo capilar foi feito com a aplicação de um laquê diferente, na base do piche. Os cabelos eriçados, da cor do azeviche, estavam petrificados. A versão dada pelo delegado, sem maiores questionamentos da plateia, era de que, flagrados em delito, em desabalada carreira, os desordeiros acabaram tropeçando no balde de piche, mergulhando, por incrível que pudesse parecer, as cabeças na substância viscosa.

O leitor responsável pelo relato lembra que o delegado era chegado à citação de máximas de pensadores famosos. E não perdeu a ensancha oportunosa de encerrar as explicações com uma frase de efeito, obviamente de sua lavra: — Quem com piche picha, com piche será pichado.

Segundo ainda o leitor, o corretivo policial pode não ter observado recomendações pedagógicas adequadas. Mas deu certo. A pichação parou.

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