Brasil livre só com Estado Laico

Tilden Santiago*
Neste último domingo, o caderno Ilustríssima da “Folha de S. Paulo” abordou, com profundidade, a defesa do “Estado laico” no Brasil. Pudera! As reflexões foram feitas por Roberto Romano, Adams Carvalho, Luiz Felipe Poudé, André Ramos Tavares. Naturalmente numa linguagem para poucos! Mas vale a pena se esforçar para entender as bases filosóficas, sociais, políticas, jurídicas, éticas, históricas e espirituais, em defesa do “Estado laico”, que é sinônimo de “poder democrático”.
Durante muito tempo, desde a idade média, a Igreja Católica Apostólica Romana não teve pudor em se intrometer no território e nas tarefas de César, se esquecendo dos ensinamentos de Yeshua de Nazaré sobre o Reino dos Céus e de sua visão realista do poder político e econômico na história da humanidade: “os reis das Nações têm poder sobre elas e o exercem com autoritarismo e dominação e ainda querem ser chamados de benfeitores!
Mas entre vocês não deverá der assim… O maior entre vocês seja como o mais novo e quem governa seja como aquele que serve”. (Lucas, 22, 25ss). A política como serviço! Jesus fala do poder interno como serviço dentro da igreja e da presença de seus seguidores no poder civil das comunidades e da Nação.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
A quebra da soberania do Estado e de seu povo (láos e não demos) não é monopólio da Igreja de Roma. Em toda a história universal, sempre se observa pelo menos a tentativa de chefes religiosos de todas as religiões invadirem o espaço dos chefes de estado.
Mas no nosso quintal historicamente foi com a Santa Madre que aconteceram tais abusos, inclusive no tratamento dado a indígenas e negros. Difícil esquecer a união do Estado com a Igreja, nos tempos da Colônia e da Monarquia, antes do advento da República, que conseguiu apenas atenuar o abuso da união. E dizer que o Direito Canônico e a Dogmática e Moral Romanas defendiam e proclamavam a legitimidade da união Igreja e Estado, abrindo espaço para uma prática política criminosa submetida aos interesses da instituição religiosa majoritária.
Esse escriba, que fez filosofia em Mariana e Teologia em Roma, não esquecerá Dom Elvécio de Oliveira, que “imperou” na Diocese mineira de 1922 a 1958, quando se orgulhava, dizendo que Getúlio e Juscelino não decidiam nada sem antes telefonar-lhe. Exemplo extremo, mas existiram outros.
A superação do conluio religião/poder se deu no processo histórico de crescimento do conhecimento, das ideias, da educação, da filosofia, dos positivistas, dos iluminados das luzes, dos líderes liberais e socialistas, dos maçons, dos anarquistas e de gente como Luther King, Gandhi, Tiradentes e outros que muito contribuíram para firmar o conceito de Estado laico. Papel especial teve Martinho Lutero na Reforma e na resistência face à Contrarreforma. A Turquia emergiu em 1922 quando fortaleceu o Estado laico.
No Brasil hoje há um paradoxo, com uma espécie de revanche teológica dos evangélicos. No protestantismo que tanto sofreu com a intromissão do catolicismo hierárquico no Estado brasileiro, os fundamentalistas, liderados por Edir Macedo, Silas Malafaia e Valdemiro Santiago, encamparam o governo brasileiro, que mistura religião e política, o absoluto e o relativo, contra os interesses populares. É um populismo conservador, enganador, religioso-pentecostal longe dos pobres, com os quais Yeshua se identificou e conviveu desde a Nazaré da Galileia, onde tudo começou. Curioso que são os pobres que lotam os templos e igrejinhas pentecostais na periferia das cidades brasileiras e da América Latina. Todos os poderosos religiosos têm de aprender a conviver democraticamente com os dirigentes do “Estado laico”. Aliás, uma das causas do fim do “Estado laico” independente e da união de Igreja ou religião com o “Estado” foram as “guerras religiosas” em diferentes épocas e regiões do planeta, especialmente na Europa.
Se houver fidelidade à visão de Yeshua sobre a presença de seu discípulo na política, nunca haverá conflito e os fideístas contribuirão na construção do “Estado laico”, visando a Paz com Justiça e Solidariedade.
Religioso-cristão, se quiser entrar na política, deve esquecer a união da Igreja com Estado e conciliar o “universalismo” profético e a opção preferencial pelos pobres. O mestre só exige uma coisa: posição ideológica do lado dos pobres. Mas o evangelho não indica qual sindicato, partido, líder político deve seguir. Partido, central sindical, projeto de sociedade, cristão usa sua inteligência, discute e constrói junto com cidadãos de diferentes religiões, ideologias, visões de mundo – seus irmãos debaixo do sol.
É hora de iniciar uma grande ciranda: evangélicos, católicos, kardecistas, ortodoxos, anglicanos, islâmicos, budistas, xamanistas, seguidores da umbanda e do candomblé. Ciranda aberta para agnósticos, como o amigo diplomata José Leite, com sensibilidade pelo Infinito, Eterno e pelo “Estado laico”. Todos juntos, ricos e pobres, empresários e trabalhadores, homens e mulheres, jovens e idosos, negros, morenos e brancos, lutando pela vitalidade de um “Estado laico”, com uma Educação laica. O que está em jogo é a soberania de um Brasil livre.
*Jornalista, embaixador e militante – [email protected]
Ouça a rádio de Minas