Cidades que são que nem gente
“Belo Horizonte é o centro coreográfico do Vale do Rio das Velhas, calcário, ameno, claro, aberto à alegria de todas as vozes novas” (Guimarães Rosa)
Voltando a Belo Horizonte, com a atenção focada nos seus 125 anos de vida.
Algum tempo passado, passei a perceber melhor tudo: Belo Horizonte, como toda cidade, é um estado de alma. Coisa de gente. Exprime sentimentos e emoções humanos da coletividade que abriga. Não sentimentos e emoções de deuses ou de anjos. De qualquer modo, aliás, se nos valermos das anotações sagradas e mitológicas, deuses e anjos deixam muitas vezes explodir reações que lembram bastante personagens humanos. No caso, o sentimento da cidade traduzia melhor as características de outras partes das Gerais. Destas Minas Gerais muitas, na definição do nunca assaz louvado Guimarães Rosa. Das várias Minas, o pedaço correspondente ao Triângulo Mineiro era, à época – e foi assim no curso de muitos anos – o de menor peso no conjunto das tendências e variáveis culturais, políticas e econômicas a influírem na formação do pensamento coletivo belo-horizontino.
Forçoso reconhecer, também, o reverso da medalha. Por conta de políticas equivocadas do governo, a região do Triângulo nutria desconfianças e ressentimentos em relação a Belo Horizonte. A ponto de se poder capturar, numa inocente recordação da infância, a cena incrível de uma explosão de júbilo esportivo nas ruas diante da vitória da seleção carioca de futebol num confronto com a seleção mineira.
Não nos esqueçamos de que as cidades são que nem gente. Possuem aura, esse mágico envoltório da matéria física, com as cores do arco-íris, já intuído nas concepções místicas antes de aceito na experimentação científica de Kirlian.
As cidades exprimem nessa sua silhueta áurica o estado d’alma da coletividade. O invólucro de Belô, com sua impressionante concentração demográfica para a juventude histórica ostentada, oferece as cambiantes típicas das tendências, sentimentos, emoções, inclinações, expectativas, crenças e vontades agasalhadas em seu território. O tom amarronzado surpreendido aqui e ali denuncia, é bem verdade, os vestígios de ampla e ultrajante pobreza, que sobe as encostas dos morros ameaçados de desabamento aos primeiros sinais de chuva; que se apodera, na busca de espaço vital, de encardidos barracões de zinco nos cortiços e guetos desassistidos; que invade as ruas, em postura mendicante, nas levas de garotos abandonados e de migrantes adultos desesperançados. Escancara também a violência criminal crescente, que já ameaça fugir ao controle dos mecanismos de segurança criados para defender a sociedade. Mas nem mesmo isso é capaz o suficiente para obscurecer o azul com matiz de ondas de mar em dia claro, localizado no contorno áurico, e que serve para traduzir a contagiante generosidade praticada pela comunidade como resposta aos perturbadores desafios largados à sua porta na tormentosa questão social.
Concluo amanhã a minha enternecida declaração de amor a Belô, pelos seus 125 anos de fecunda existência.
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