Caminho para a construção de empresas mais humanizadas

LAURA TORRES*
No dia 21 de maio de 2023, em um jogo do campeonato espanhol de futebol, o mundo assistiu estarrecido a mais um episódio explícito de racismo por parte de torcedores, tendo o jogador brasileiro Vinícius Júnior como alvo.
Diante de fatos como esses, cabe-nos indagar: como é possível esse tipo de comportamento em pleno século XXI? Será que ainda não aprendemos com os erros do passado? O grande problema é que o preconceito ainda é comum e aceitável em determinadas culturas mundo afora.
Quando pensamos no universo das empresas, perguntas como essas ainda ecoam em nossos corações. Resguardadas as devidas proporções e seus impactos, devemos questionar algumas práticas e comportamentos não sustentáveis que ainda fazem parte do cotidiano de organizações públicas e privadas.
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Como exemplo, vou relatar uma situação que vivi meses atrás, quando estava em uma grande empresa para acompanhar um trabalho de conscientização realizado pelo meu sócio, para um grupo de líderes.
Estávamos no hall de um edifício, no intervalo do almoço, aguardando pelo elevador. Literalmente, havia um congestionamento de pessoas, muitas delas já esperando por cerca de 20 minutos.
De repente, um elevador surge disponível e de portas abertas diante de todos. Ninguém se moveu para ocupá-lo. Curiosa, indaguei porque não o utilizar. A resposta de um colaborador próximo a mim foi instantânea: “Esse é o elevador da diretoria, não podemos utilizá-lo em nenhuma circunstância”.
Essa é uma determinação comum em muitas organizações, imagino que muitos irão considerá-la trivial. Porém, um exame de consciência mais cuidadoso nos levará a perceber que esse tipo de norma está fundamentado em raízes culturais profundas, ligadas a conceitos como centralização de poder e símbolos de status.
Para efeitos didáticos, vou tipificar esse caso como uma “incoerência”. E para que ele não soe como isolado, trarei abaixo alguns questionamentos que revelam incoerências comuns, vistas com ares de naturalidade, ainda presentes nas organizações.
Então vejamos…
Como esperar elevado desempenho de profissionais se boa parte deles não recebe um feedback adequado no curso de sua atuação? Na verdade, em muitos casos, não há qualquer tipo de feedback.
Como esperar que pessoas se comportem da maneira como as empresas desejam se os valores corporativos, criados para inspirar comportamentos, não são adotados como exemplo pelas lideranças e, em muitos casos, são meros adereços?
Como esperar que a inovação floresça se erros são utilizados como fonte de punição e não como oportunidades de aprendizado?
Como esperar engajamento em empresas onde a palavra culpa se espalha pelos corredores a cada erro cometido? Se você cometer um erro bem intencionado como resultado de uma tentativa de inovar e for punido por isso, tentará novamente?
Como se sentir motivado a dar o seu melhor e seguir as diretrizes culturais da empresa se os critérios de promoção favorecem unicamente aqueles que dão resultados mesmo que a “qualquer custo”?
Como criar uma cultura de diversidade e inclusão se as empresas ainda insistem em recrutar profissionais que sejam “a cara da empresa” e até mesmo discriminam mulheres que pretendem ter filhos?
Como fazer valer as recomendações e melhores práticas do CustomerSuccess se os profissionais que se relacionam com os clientes vivem imersos em um ambiente tóxico e de competição interna desmedida?
Exemplos não faltam. Poderíamos dedicar páginas e páginas para retratá-los aqui. Cabe-nos indagar como poderemos construir e consolidar ambientes de trabalho saudáveis em face dessas incoerências, especialmente em um momento onde humanização, inclusão e diversidade tornam-se pautas essenciais.
Dois dos pilares do Capitalismo Consciente indicam a direção para rever essas práticas não sustentáveis: orientação para stakeholders e cultura consciente.
Empresas que adotam a filosofia do Capitalismo Consciente concentram-se na ideia de que todas as partes têm o mesmo valor: clientes, funcionários, fornecedores, investidores, acionistas, financiadores, comunidades e meio ambiente.
Uma cultura corporativa pautada por uma gestão humanizada, onde as decisões têm como princípio fundamental o respeito a todos os stakeholders e a crença de que a empresa deve impactá-los positivamente, será uma via fértil para gerar cura ao invés de reforçar velhas dores e feridas.
No entanto, para que essa filosofia prospere, não posso deixar de comentar que, antes de tudo, cabe a cada um de nós entender em que medida nossas próprias atitudes endossam as incoerências aqui retratadas e até que ponto somos corresponsáveis por elas.
Toda mudança, se quiser ser efetiva, precisa começar por dentro, o que exige nossa urgente conscientização para que respostas imediatas e definitivas sejam colocadas em prática.
*Relações-Públicas, pós-graduada em Comunicação e Marketing, cofundadora da Gestores de Sonhos e Conselheira da Filial Regional do Capitalismo Consciente em Belo Horizonte. Instagram: @lauratorresbh e Linkedin: Laura Torres Saliba
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