A carta das ONGs: desserviço ao combate climático
Oitenta ONGs internacionais uniram-se para escrever uma carta pública intitulada “Por que a compensação de carbono enfraquece as metas climáticas”. O documento apresenta quatro afirmações: a compensação pode atrasar a ação climática; a compensação é invariavelmente duvidosa; a quantidade de projetos e de terras é muito pequena; e o problema de financiamento não será resolvido pela compensação.
Foco apenas na quarta afirmação porque ela é contraditória em si mesma. Nela, são apresentados dois argumentos: que como o preço dos créditos de carbono é baixo, os esforços necessários para a ação climática são pequenos; e que essa ideia cria incentivos negativos em relação aos investimentos indispensáveis para garantir mudanças profundas.
É afirmado que o mundo não dispõe de projetos e terras suficientes para tanta demanda por crédito. Ora, qualquer um que conheça o mecanismo de oferta e demanda sabe que em uma situação de muita procura e baixa disponibilidade, o preço sobe. Como os créditos de carbono são comprados por poluidores, eles servem como um mecanismo que transfere recursos deles para os que preservam. Portanto, graças à dinâmica oferta/demanda, essa transferência acontece na proporção exata do crescimento do valor do crédito.
Para que o argumento de que os créditos de carbono criam incentivos negativos em relação aos investimentos necessários para garantir mudanças profundas seja válido, a procura por créditos precisaria se manter sempre inferior à oferta. Isso faria com que os preços se mantivessem baixos e tornaria mais interessante para o poluidor manter suas ações e pagar pelos créditos baratos. A questão é que essa situação hipotética é cada vez menos provável diante da criação dos mercados regulados. Neles, os limites máximos de poluição são estabelecidos abaixo do nível médio do setor, o que leva a um aumento da demanda por créditos com o consequente aumento de preços.
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Poder-se-ia questionar se essa alteração do preço seria suficiente para inviabilizar a estratégia das empresas em terceirizar suas responsabilidades. Os dados parecem dizer que sim. A previsão é de um aumento de 15 vezes na demanda global por créditos até 2030, e de 100 vezes até 2050. Diante da dificuldade de crescimento dos projetos, o aumento da demanda será refletido no preço do crédito, o que fará com que o dispêndio dos poluidores para compensá-lo seja excessivamente alto.
Diante de tudo isso, considero que os créditos de carbono apresentam papel crucial no financiamento do combate às mudanças climáticas e que as ONGs contribuiriam mais fortalecendo as iniciativas de mercados regulados para incentivar a demanda por créditos do que tentando destruir o mecanismo de compensação. Reconheço que o modelo não é perfeito e apresenta fragilidades que precisam ser melhoradas, mas como dizia minha avó: não se pode jogar fora o bebê junto com a água do banho.
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