Capitalismo Consciente

Black november e a diversidade

Black november e a diversidade

A Black Friday é uma das datas de maior incentivo ao consumo durante o ano e é muito esperada pelos consumidores. É um período de consumo exacerbado para além dos grandes descontos, muitas vezes distante da abordagem ética e responsável que pautam o Capitalismo Consciente.

Por este recorte poderíamos trazer muitas reflexões sobre este período. Mas hoje, por aqui, em meio a essas preocupações, outro tema que predomina as pautas editoriais é o da consciência negra. Para muitos, este assunto pode não ter tanta relevância, pois o que importa, como dizem, é a “consciência humana, já que somos todos humanos, somos todos iguais”. Apesar disso, no íntimo, cada um de nós sabe que há diferenças e como essas diferenças são sentidas e refletidas. Então porque elas são negadas?

Na minha época de criança, me recordo da orientação dos meus pais para que eu não fosse muito diferente, para não chamar atenção. Essa orientação foi reproduzida por muitas gerações, especialmente nas famílias ditas “diferentes”: naquelas de pessoas negras, de pessoas de outra nacionalidade, de pessoas com deficiência, de pessoas homoafetivas ou de pessoas que professavam outra fé que não a predominante. A negação das diferenças por muito foi uma questão de sobrevivência, e com ela veio o apagamento das histórias, das origens e da compreensão dos fatos.

Ter consciência é ampliar o olhar, é saber. Ter consciência negra é ver além do que a cor da pele já evidencia: é conhecer a história, a arte e a cultura afrodescendentes. Aos cinco anos, perguntei a minha mãe por que eu era marrom. Ela me respondeu com naturalidade e simplicidade: “Eu sou marrom, seu pai é marrom, e como você é nossa filha, nasceu marrom, igual a gente.” Aquilo me pareceu fazer sentido e era o que eu iria responder novamente para um coleguinha na escola, caso ele me perguntasse novamente por que eu era daquela cor. Minha mãe sabia que, mais tarde, essa explicação não seria suficiente e o quanto essa diferença poderia ser preponderante na minha vida.

Nos dias atuais, quando falamos em consciência negra é importante olhar em volta e observar como a negritude se apresenta diante de nós: quantas pessoas negras fazem parte do meu convívio diário? Quantos gestores negros eu já tive como líder de equipe ou liderando uma equipe do meu negócio? Por que eu não conheço nenhum ou quase nenhum médico negro? Quantos autores negros ou autoras negras eu já li? Quantos amiguinhos negros o meu filho tem? E se a minha filha namorar um homem negro ou uma mulher negra?

As respostas para estes questionamentos não são as mesmas para todas as pessoas, mas elas refletem situações de exceção e isso é comprovado pelos números. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último Censo, 56,1% dos brasileiros se declararam negros. Já um levantamento do Conselho Federal de Medicina apontou, em 2020, que apenas 3,4% dos médicos no País são negros. Em ambientes corporativos, segundo o Instituto Ethos, apenas 4,7% de pessoas negras ocupam uma posição de liderança nas 500 maiores empresas do País. Quando se faz um recorte de gênero, o índice cai para 3%.

A presença de mulheres negras em todos os espaços para além daqueles em que ela é tradicionalmente vista, como serviços gerais e serviços domésticos é pauta urgente. Na minha trajetória pessoal, ser exceção foi vista como superação. Dentre outros fatores, a posição que hoje ocupo é fruto do apoio de outras colegas mulheres, que contribuem para que o nosso trabalho tenha visibilidade. Nos ambientes corporativos, predominantemente masculino e caucasiano, o desafio para a mulher negra está em todas as direções e não acaba quando ela assume uma posição de liderança. Ainda há muitos casos em que as equipes não estão preparadas para serem lideradas por uma mulher, quem dirá uma mulher negra. Por vezes, um interlocutor é surpreendido quando um liderado me apresenta: “Essa é a minha gestora.” Por isso, meu compromisso é com a criação de ambientes mais reflexivos e equânimes para que muitas outras mulheres negras cheguem a serem consideradas. Meu desejo é olhar em volta e me ver refletida em outras mulheres.

Neste contexto, as políticas de ações afirmativas como, por exemplo, as cotas nas universidades e as vagas exclusivas nas empresas, contribuem para que os números apresentados aqui mudem. É visível que ações de transformação estão sendo implementadas e estão acontecendo na sociedade. A velocidade, no entanto, não é como gostaríamos, vai levar um tempo, mas a mudança agora se materializa diariamente.

Muito tem se falado sobre propósito, e na mesma medida precisamos pensar em legado. Unindo ambos, os avanços podem ser potencializados. Cada um de nós está inserido em contextos profissionais que podem ser mais inclusivos. Podemos fazer a diferença e, para isso, é importante nos perguntarmos: quantos dias minha consciência é negra?

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