Capitalismo Consciente

Mudanças Climáticas e Capitalismo Consciente: os impactos e as interseções com a agenda de gênero para tempos melhores

O capitalismo consciente pode ser a ponte entre o que é ideal e o que é possível nas negociações climáticas

O capitalismo consciente, em sua essência, busca alinhar lucro com propósito, priorizando a ética, a transparência e o impacto positivo para a sociedade. No contexto das mudanças climáticas, essa visão é essencial para transformar compromissos em ações práticas, partindo da premissa de que é preciso reinventar as estruturas econômicas que fizeram o mundo chegar nessa situação de extrema criticidade. Contudo, um dos maiores desafios dessa abordagem continua sendo a desigualdade de gênero e raça, uma questão historicamente negligenciada tanto no debate climático quanto nos modelos econômicos predominantes.

As mulheres, especialmente as negras e indígenas, estão na linha de frente das questões climáticas. Elas são, ao mesmo tempo, as mais impactadas pelas crises ambientais e as que mais contribuem com soluções sustentáveis em suas comunidades. A ONU Mulheres estima que mulheres e meninas representam 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas no mundo. Por outro lado, estudos indicam que a maior parte das ações de resiliência climática tem a liderança feminina, especialmente em projetos de agricultura sustentável, gestão de água e resposta a desastres. 

Ainda assim, é impressionante a falta de representatividade feminina em cargos de decisão nas negociações climáticas e nas lideranças governamentais e empresariais. Na Conferência Global do Clima, a COP 29, realizada no mês passado no Azerbaijão, apenas 8% das lideranças governamentais do segmento de alto nível que subiram ao plenário eram mulheres – seis das 78 autoridades governamentais. E, destas, quatro falaram sobre o impacto climático nas vidas femininas. Segundo o Climate Action Track, apenas 20% das delegações eram chefiadas por mulheres. 

Um dos principais reflexos da falta de representatividade de gênero é a desigualdade no acesso a recursos e oportunidades globais. Dados de 2022 da ONU Mulheres indicam que apenas 3% de toda Assistência Oficial ao Desenvolvimento Global apresentava objetivos relacionados à igualdade de gênero. E as organizações de direitos de mulheres recebem menos que 1% da assistência oficial ao desenvolvimento global.

O conteúdo continua após o "Você pode gostar".


Este ano, pela primeira vez na história das conferencias globais do clima, realizada pela ONU, houve um dia inteiro oficialmente dedicados às discussões sobre clima e igualdade de gênero. Nesse dia, grande parte dos debates foi voltada para as interseções entre gênero e financiamento climático. Celebrado como um avanço, embora ainda tímido, o aumento em 300% da meta de financiamento climático – de US 100 bilhões para US 300 bilhões anuais, pode trazer um alento e significar uma mudança real nos próximos anos. 

Embora seja uma medida promissora, fica a pergunta: como garantir que esses recursos chegarão às mulheres que mais precisam e que têm o maior potencial transformador? Há um risco real de que os mesmos filtros históricos de exclusão acabem perpetuando desigualdades, mesmo em iniciativas que se propõem a corrigi-las.

Precisamos de empresas que considerem a sustentabilidade como estratégia de mercado e também como responsabilidade ética inadiável. E precisamos de políticas públicas que coloquem as pessoas – especialmente as mais vulneráveis – no centro das soluções climáticas, aprimorando modelos de governança para isso. Os números nos mostram que é essencial desenvolver iniciativas para corrigir a desigualdade de gênero nas negociações e tomada de decisões sobre questões climáticas. 

O capitalismo consciente pode ser a ponte entre o que é ideal e o que é possível nas negociações climáticas. Ele se apresenta como um caminho promissor para corrigir essas rotas que fazem persistir e acentuar os impactos das mudanças do clima, com efeitos ainda mais devastadores nas mulheres, indígenas, pessoas negras e pobres em todo o globo. 

Entretanto, essa transformação depende de uma mudança estrutural na forma como as empresas operam. Não basta abraçar compromissos ESG (ambientais, sociais e de governança); é preciso reprogramar os princípios orientadores da prática empresarial, passando a conciliar performance econômico-financeiro com prosperidade ambiental e justiça social. No âmbito da gestão pública, é necessário implementar medidas que estimulem e valorizem a representatividade de gênero nos fóruns públicos e empresariais. Precisamos, especialmente, praticar uma nova governança social, que seja colaborativa, e refaça e potencialize os elos e as responsabilidades da iniciativa privada, dos agentes governamentais e da sociedade civil. O desafio não é pequeno.  

Temos, contudo, motivos para esperança. Lideranças, muitas delas mulheres e pessoas negras, estão emergindo com força e propondo modelos econômicos que desafiam o status quo. Iniciativas inovadoras no Brasil, como negócios de impacto social liderados por comunidades periféricas e rurais, mostram que é possível crescer de forma justa e sustentável. 

A esperança vem também do mundo da educação, único caminho que poderá viabilizar essa mudança estrutural. Na Fundação Dom Cabral, por exemplo, há iniciativas que priorizam o desenvolvimento de lideranças empresariais e públicas no sentido de garantir letramento climático, ampliação da consciência e ferramentas de gestão para liderar as transformações. São cada vez mais frequentes as aulas que discutem o capitalismo consciente e suas alternativas mais promissoras. Em 2025, novos programas de grau acadêmico e cursos de curta de duração serão lançados para ampliar o alcance desse conteúdo no mundo corporativo e também da gestão pública, com ênfase na agenda climática. Isso faz com que que sonhemos com uma COP30, que será realizada no Brasil daqui um ano, mais positiva e com melhores resultados, inclusive na agenda de gênero. 

Como mulher e profissional dedicada às discussões e soluções educacionais de sustentabilidade e direitos humanos nas organizações, estou convencida de que melhores futuros serão desenhados na intersecção entre coragem e colaboração. O que aprendemos na COP 29 é que não podemos esperar mais uma década para agir. Se quisermos um futuro sustentável, ele precisará ser, antes de tudo, inclusivo. E isso só será possível se repensarmos os fundamentos de nossa economia e ampliarmos voz de quem historicamente foi silenciada.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas