É urgente aplicar as lentes de gênero: o que as empresas podem aprender com a tragédia no Sul

As lentes de gênero oferecem uma estrutura analítica para entender e abordar questões diversas de maneira mais abrangente e eficaz. Além de um imperativo moral, equidade de gênero é um caminho para reduzir as desigualdades e gerar benefícios para toda a sociedade. 

Aplicar as lentes de gênero significa considerar que homens, mulheres e pessoas de outras identidades de gênero possuem experiências e realidades distintas em diversas áreas da vida e em diferentes contextos. Veja aqui um exemplo: nos últimos dias temos acompanhado a tragédia vivenciada no Rio Grande do Sul, que, a princípio, nos apresentou uma fotografia de geral desolação e impacto. No entanto, à medida que este cenário se arrasta, é revelada, nesta já tão complexa equação, mais um triste elemento: a denúncia de que mulheres e meninas estariam sofrendo abusos em abrigos.

A situação trouxe para a mesa um debate já há algum tempo defendido por especialistas: problemas complexos de dimensão social exigem respostas com lentes gênero. Na prática, isso significa reconhecer que homens, mulheres, meninos e meninas são afetados de maneiras diferentes, em diversas situações – como neste contexto do Rio Grande do Sul –, e, em função disso, demandam acesso a recursos, segurança e necessidades de saúde específicos.

Em situações de desastres ambientais e emergências climáticas, além de necessitarem de abrigo e comida, como todas as demais pessoas afetadas, mulheres e meninas carecem também de um acolhimento especializado, que ofereça segurança contra a violação dos direitos femininos, além do acesso a materiais de higiene específicos, como absorventes, por exemplo.

As denúncias levantadas no Rio Grande do Sul ainda estão sendo apuradas, mas a discussão já nos serve de grande aprendizado em relação à importância da aplicação das lentes de gênero para uma estrutura analítica mais adequada e desenho de estratégias mais eficazes.

No âmbito das empresas, por exemplo, este contexto fica evidente quando o foco se volta totalmente para a promoção da igualdade, o que, apesar de partir muitas vezes de uma boa intenção, pode acabar ofuscando as necessidades específicas de mães e mulheres em geral. Por isso, pensar na promoção da equidade faz mais sentido quando almejamos o bem estar de todos.

Aplicar uma perspectiva de gênero não significa realizar tudo a partir do ponto de vista das mulheres, mas sim, levar em conta demandas e especificidades na hora da tomada de decisão, assim como já é usualmente feito no desenvolvimento de soluções para qualquer público-alvo.

Não somos todos iguais, mas vivemos enquanto sociedade a naturalização do apagamento e desconsideração de algumas perspectivas e demandas, sobretudo as femininas. Crises como a do clima e a da Covid-19 impactaram grupos distintos de formas também diversas. A lente de gênero é vital na agenda do desenvolvimento sustentável e nos planos de recuperação – não apenas para reduzir vulnerabilidades e impactos a que mulheres estão expostas em todo o mundo, mas para potencializar a transformação.