O PL da Gravidez Infantil e a participação das mulheres nas políticas públicas
Na última semana fomos surpreendidas com o PL 1904 que tem como objetivo proibir o aborto em casos de estupro, se realizado depois de 22 semanas de gestação, e ainda responsabilizar a vítima da violência por homicídio. Hoje, no nosso país, o aborto é permitido em casos de gestação decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal, decisão que vigora desde 1984. Ou seja, caso o projeto de lei seja aprovado, estaremos retrocedendo em 40 anos os direitos conquistados pelas mulheres.
O projeto foi apelidado pela opinião pública de PL da Gravidez Infantil, visto que seis em cada dez vítimas de violência sexual no Brasil têm no máximo 13 anos, segundo dados do Atlas da Violência 2024, e a maioria dos agressores, cerca de 65%, são pessoas da própria família.
Fato curioso, para não dizer outra coisa, é que, se a lei passar, a criança/adolescente ou a mulher, vítima de abuso, terá de cumprir pena maior que seu abusador caso venha a optar por um procedimento clandestino. A pena da vítima passa de 1 a 3 anos de prisão para de 6 a 20 anos e a do praticante da violência permanece de 6 a 10 anos, no caso de estupro de pessoas adultas, e de 6 a 15 anos, em caso de vulnerável. E, sim, permanece, pois não é o ato de abusar que está sob julgo e sim o ato de acolher e preservar a saúde mental da vítima.
Para nosso consolo, a reação da opinião pública foi contundente e fez com que alguns parlamentares recuassem e outros pedissem que sua assinatura fosse retirada do projeto de lei.
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De acordo com a pesquisa “Percepções sobre direito ao aborto em caso de estupro”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com Locomotiva, em 2022, 72% da população defende direito ao aborto pela proteção da saúde física e mental das mulheres vítimas de estupro. Da parte das mulheres entrevistadas, 75% gostariam de interromper a gestação de forma legal e segura caso engravidassem após um estupro – sendo assim, não era de se esperar uma reação popular diferente.
Agora vamos à questão: se 72% da população brasileira defendem o aborto em caso de estupro e se 75% das mulheres gostariam de ter o direito de abortar caso fossem estupradas, como um projeto de lei como este passa para ser votado em caráter de urgência?
Voltemos um pouco no tempo, mais precisamente até a década de 60, quando o movimento mundial das mulheres trouxe o slogan “o pessoal é político” para o cerne do debate. A intenção das feministas era problematizar os contornos do que se entendia por política e mostrar que situações de ordem privada, como a violência doméstica, o abuso sexual das mulheres e a divisão sexual do trabalho, deveriam ser tratadas de modo público, por políticas públicas, pois eles não representavam somente um problema doméstico, mas uma radiografia de uma sociedade patriarcal e machista que oprimia a mulher e a enxergava como inferior aos homens. Graças à evolução dessa discussão, o modo como passamos a entender a política em sociedade evoluiu, e hoje sabemos que a política vai muito além aquilo que se decide no Congresso.
Porém, muito embora tenhamos avançado no modo de entender o que é política, não evoluímos nas ações de acolhimento e inclusão das mulheres nesse espaço. É o que mostra a recente cartilha produzida pelo Nepem – Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher – do Departamento de Ciência Política da UFMG. De acordo com as autoras, a Violência Política contra as Mulheres em Perspectiva Interseccional (VPCMI) é um problema grave, que afeta as mulheres envolvidas na vida política, especialmente na esfera pública, e que se agrava quando interseccionado pela dimensão de raça.
Esse tipo de violência se manifesta de diversas maneiras – desde agressões de caráter verbal até agressões de caráter físico ou sexual contra as mulheres – e tem levado as parlamentares a desistirem de continuar a exercer sua vida pública. De acordo com dados do grupo de pesquisa, o Brasil está na penúltima posição no ranking de representação política das mulheres nas Américas. Ora, se não temos mulheres na política para legislar por nós e defender as nossas causas, natural que projetos de leis como esse, escrito por homens conservadores, passem.
O que podemos fazer para mudar essa situação, enquanto sociedade? Na próxima coluna, vou trazer algumas ideias, inclusive para as empresas.
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