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Como a redução da escala 6 x 1 pode impactar positivamente a vida das mulheres

São claras as melhoras que essa medida teria na vida de muitas mulheres caso a PEC da redução da escala 6x1 seja aprovada. Leia artigo

Nos últimos dias, o debate em torno da redução da jornada dos trabalhadores ganhou força nas redes sociais e no mundo político. O pano de fundo para tal discussão tem origem na proposta de emenda constitucional (PEC) escrita pela deputada Érika Hilton e que busca mudar a Constituição no que tange à jornada dos trabalhadores de cinco vezes por semana ou quarenta e quatro horas semanais para quatro vezes por semana ou trinta e seis horas semanais.

A justificativa para tal proposta é o aumento da produtividade e a melhora na saúde mental. O Brasil é hoje o país mais ansioso do mundo e apresenta índices seriíssimos de adoecimento mental, muito em decorrência do estresse e das cargas desumanas de trabalho. Em vista disso, Érika defende o aumento no tempo livre de descanso, pois isso impacta diretamente numa melhora da produtividade e da qualidade de vida.

Como era de se esperar, a temática tem dividido a opinião pública entre grupos a favor e contra. Neste artigo, busco contribuir com uma análise favorável, olhando a proposta a partir da perspectiva do gênero.

A chegada do capitalismo traz consigo a divisão sexual do trabalho, para que esse sistema exista e se sustente é preciso que a reprodução social e as tarefas do cuidado estejam garantidas e, sendo assim, as duas tarefas vão ser “naturalmente” atribuídas às mulheres, já que somos as únicas capazes de procriar. Mas o que isso tem a ver com a escala 6X1?

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O gênero é uma camada que não pode ser desconsiderada nessa conversa. Segundo dados do IBGE, as mulheres fazem 85% do trabalho do cuidado no Brasil: enquanto nós dedicamos em média 21 horas de trabalho semanais ao cuidado, os homens usam apenas 11 horas para isso.

Há uma invisibilidade naturalizada do trabalho doméstico em nossa sociedade. Após sair de uma jornada semanal de 44 horas, as mulheres têm mais uma jornada de trabalho em casa, cuidando da família e da limpeza, e ninguém se incomoda com isso a não ser quem está sentindo a sobrecarga na pele.

Ao interseccionarmos as questões de raça e gênero, a situação se agrava mais: mulheres negras e pobres recebem salários mais baixos, costumam estar nos trabalhos por mais horas diárias e não contam com nenhuma ajuda para executar as tarefas do cuidado e, sendo assim, enfrentam longas horas de trabalho no terceiro turno.

Parafraseando Francoise Vergé, em seu livro “Feminismo Decolonial”, o capitalismo é uma economia que produz lixo e esse lixo deve desaparecer aos olhos de quem tem direito a uma vida boa, para isso é preciso que existam trabalhos invisíveis e vidas descartáveis e são essas as vidas que cumprem a escala 6X1.

Embora sejam claras as melhoras que essa medida teria na vida de muitas mulheres caso a PEC da redução da escala 6×1 seja aprovada é preciso muito cuidado nos seus desdobramentos. Em primeiro lugar porque a redução da jornada impacta principalmente micro e pequenas empresas, que são a maioria com essa escala de trabalho e, portanto, faz-se necessário incentivos fiscais para esses estabelecimentos pois, caso contrário, corre-se o risco de um aumento no número de demissões.

Em segundo lugar, porque se hoje a desigualdade salarial entre homens e mulheres é outro problema social a ser resolvido, é primordial que se pense em estratégias para que essa diferença salarial não aumente caso a escala de trabalho seja alterada.

Não existem soluções simples para problemas complexos. Um passo importante foi dado com a proposta da deputada Érika Hilton, é preciso que continuemos o debate entendendo que um modelo de trabalho mais humano e saudável se faz urgente em nosso país, principalmente, no que tange à qualidade de vida das mulheres.

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