Lugar de mulher é onde ela quiser. Será?
“Deus me livre de mulher CEO” foi a expressão gatilho usada pelo diretor da G4 Educação na semana passada e que desencadeou posicionamentos de toda ordem por parte das pessoas nas redes sociais.
Ao me deparar com a polêmica, numa primeira análise, minha reação foi: qual a novidade? E será que devemos perder tempo dando importância para a fala desse homem? Que, diga-se de passagem, eu não fazia ideia de quem fosse.
Passadas as horas e os dias, e com a discussão ainda reverberando e acionando importantes mulheres CEOs de empresas e outras mulheres que se opunham à fala delas e a favor do tal diretor, entendi que, como pesquisadora da área de gênero e da relação dos públicos nas redes digitais, e como consultora de empresas na área de diversidade com foco prioritário na qualidade de vida das mulheres, eu precisava me posicionar. Então vejamos.
Sarah Banet-Weiser, pesquisadora inglesa, escreveu em 2019 um livro chamado “Empoderamento: Feminismo Popular e Misoginia Popular”, no qual ela analisou um movimento característico das relações das pessoas nas redes sociais no que tange as questões de gênero, marcado pela ambivalência e pela dicotomia entre a paixão pelas mulheres e pelo movimento feminista jovem e em rede; e um ódio por esse mesmo movimento e pelas mulheres que lutam por seus direitos. Ora não foi nada diferente dos comentários que assistimos lotar os nossos feeds e os posts das mulheres que porventura resolveram se posicionar contra o posicionamento machista do diretor.
Joice Berth, no mesmo ano, publica um livro de nome “Empoderamento”, em que ela problematiza o esvaziamento do termo pela perspectiva individualista e neoliberal e propõ que olhemos para esse conceito a partir das contribuições do feminismo negro. A autora explica que o empoderamento só acontece quando ele é individual e coletivo simultaneamente e que não basta uma mulher se empoderar individualmente se todo o seu grupo ainda está inferiorizado, pois a qualquer momento e situação de sua vida ela pode cair. Ou seja, o empoderamento individual é mais uma armadilha que o sistema capitalista nos concede.
De volta agora para a frase do CEO da G4 e sua discussão de que o cargo de gestão é muito pesado para uma mulher suportar, ainda mais se ela for mãe, esposa e precisar conciliar esses vários papéis ao longo do dia, ele não errou, é difícil mesmo. O equívoco é usar o argumento da dificuldade para impedir as mulheres de alcançarem o que elas quiserem em termos profissionais.
Se é difícil porque não repensarmos o papel dos homens neste contexto? Porque não adequarmos a realidade laboral das empresas de modo a tornar o ambiente menos hostil para as mulheres de um modo geral? Porque não criarmos políticas públicas e organizacionais de modo a darmos suporte para as mães poderem trabalhar?
Quanto às mulheres que ficaram contra o posicionamento das CEOs, naturalizando o debate e chamando a polêmica de lacração das redes sociais, elas também são vítimas do patriarcado e do neoliberalismo e, por isso, não devemos culpá-las e sim encontrar modos para que o letramento de gênero chegue a mais pessoas, pois é somente com estudo e consciência política que vamos conseguir fazer que mais mulheres e homens entendam a condição social e histórica feminina e a importância de uma mudança estrutural.
O mesmo ocorre com relação aos homens que ainda reproduzem o padrão de masculinidade hegemônica e acreditam que cabe a eles o papel de provedor e às mulheres o papel de cuidar, que existe uma energia feminina que precisamos preservar. E aí novamente a importância de as empresas promoverem letramentos de gênero, políticas afirmativas para a contração de mulheres diversas, programas de liderança feminina para que mais mulheres alcancem cargos de gestão, espaços de discussão sobre a masculinidade e sobre o papel dos homens como aliados.
É preciso que entendamos que gênero é uma questão relacional e somente conseguiremos afirmar de fato que “o lugar de mulher é onde ela quiser” quando avançarmos em termos de equidade e de direitos e quando pararmos de naturalizar e ou esconder certas questões e começarmos a enfrentar elas de frente. É difícil sim, mas com intencionalidade e união de esforços podemos tornar mais fácil.
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