Ser mãe é ‘para descer’ no paraíso
Com a proximidade do Dia das Mães e toda a simbologia que a data carrega, optei por iniciar a coluna desta semana com essa frase carregada de múltiplos sentidos. A princípio, pode parecer um erro de grafia, mas na verdade era como a minha filha expressava o famoso ditado popular quando era pequena.
A romantização da maternidade é um traço da nossa sociedade patriarcal e, talvez, ela, mesmo pequenininha, reproduzisse o imaginário coletivo sem se dar conta disso. Se a maternidade é o destino compulsório para todas as mulheres, tornar-se mãe só pode ser sinônimo de “descer” no paraíso.
Sou de uma geração criada para exercer a maternidade, isso nunca foi uma questão para mim e nem para a maioria das minhas amigas – o contrário, sim, podia representar um espanto. E esse era exatamente o sentimento que eu tinha quando alguma mulher afirmava claramente, em uma conversa, o desejo de não ser mãe. Mas como assim? Isso é impossível.
A fluidez que marca a identidade contemporânea e a evolução na discussão das pautas de gênero nos prova que, sim, essa é uma possibilidade. Ser mãe é só mais uma escolha que as mulheres podem ter em sua vida e exercer essa função, no dia-a-dia, implica viver muitas alegrias, mas também fazer muitas renúncias. Apontar as dores da maternidade é fundamental para que possamos olhá-la de frente. Como nos ensina a jurista Kimberlé Crenshaw, em seu TED “A Urgência da Interseccionalidade”, é preciso que se dê nome aos problemas sociais pois somente assim eles poderão ser tratados.
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Mas por que motivo afirmo ser a maternidade um problema social? Pelos desdobramentos que ela acarreta na vida das mulheres provindas da permanente desigualdade de gênero. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE (2019), as mulheres são as principais prejudicadas pela distribuição desproporcional no tempo despendido com as tarefas domésticas e com o cuidado não remunerado de crianças, pessoas idosas e pessoas enfermas: em média elas gastam 21,3 horas enquanto os homens, 11,7 horas.
Se esse valor fosse contabilizado em tempo assalariado, ele representaria quase US$ 11 trilhões por ano, o que corresponde a 9% do PIB global. Ou seja, este não é um valor irrisório e, sendo assim, é pouco interessante que ele seja resolvido, pois representaria um rombo em qualquer economia.
Contudo, enquanto a questão não é solucionada, parcela das mulheres largam seus empregos ou deixam de estudar porque precisam cuidar de suas famílias. Só para se ter uma ideia, em 2022, 7 milhões de mulheres não trabalharam devido à Economia do Cuidado (dados retirados do perfil @filhosnocurriculo). Um dos fatores que dificultam a participação dessas mães no mercado de trabalho é o alto preço das creches, que impede que elas possam deixar suas crianças em uma instituição especializada: no Brasil, apenas 30% das crianças com menos de 3 anos estão matriculadas em creches.
Uma vez desempregadas ou atuando na economia informal, assistimos a outro fenômeno, que é a Feminização da Pobreza. De acordo com dados da FGV 2024, entre 2012 e 2022, a proporção de mulheres que chefiam lares saltou de 36% para 51%, crescimento esse que acarretou no endividamento feminino:
- 8 em cada 10 mulheres já ficaram inadimplentes;
- 71% delas precisaram complementar a renda com trabalhos adicionais;
- 48% têm as dificuldades financeiras como fonte de adoecimento mental (Relatório Esgotadas, Think Olga).
Ou seja, é um sistema que se retroalimenta e o resultado disso é que a conta não fecha para nós, mulheres.
8 passos para empresas ajudarem na Economia do Cuidado
Porém, há luz no fim do túnel: além da possibilidade da criação de políticas públicas que busquem fomentar a igualdade de gênero, como as recém criadas leis Emprega Mais Mulheres e Transparência Salarial, é preciso que as empresas se impliquem na Economia do Cuidado.
Para ajuda-las na tarefa relaciono abaixo algumas dicas fundamentais que devem ser tomadas:
- Igualdade salarial entre homens e mulheres
- Flexibilidade na rotina e na jornada de trabalho para mães e pais
- Extensão do tempo de licença parental para os pais
- Revisão da cultura corporativa para naturalizar o cuidado por parte dos pais
- Parcerias com creches de modo a permitir que as mulheres tenham com quem deixar os seus filhos
- Planejamento da licença-maternidade da mulher
- Salas de alimentação e programas de reintegração pós licença-maternidade
- Estruturação de redes de apoio dentro da própria empresa, dentre outros.
É certo que ainda temos um longo caminho a ser trilhado, assim como é grande a pressão por parte da opinião pública para que soluções sejam tomadas nesse sentido – movimento o qual avalio com muitos bons olhos.
É urgente que a gente pare de romantizar a maternidade e entenda que em alguns momentos ela significa “padecer” no paraíso. Mas é possível também que a gente encontre caminhos para que essa jornada seja mais leve e igualitária para todas e todos e que possa nos proporcionar sim bons pousos no paraíso.
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