Da intenção para a ação


“Da intenção para a ação” é não só o mote do III Fórum Brasileiro do Capitalismo Consciente que vai acontecer no dia 20 de setembro na Amcham, em São Paulo, mas também uma chamada para ação. O ponto de partida de qualquer iniciativa é a intenção, o desejo que nos impulsiona em direção a algo. Mas é preciso que esse algo avance, para não incorremos no perigo do pensamento sem ação.
As questões socioambientais atuais urgem para que esse pensamento seja seguido pela imediata ação, pois basta olharmos para os lados para vermos aonde o ser humano está se metendo. António Guterres, secretário-geral da ONU, disse que saímos da era do aquecimento e entramos na era da “fervura” global. Julho foi o mês mais quente já registrado. Seja o verão extremo no hemisfério norte ou as chuvas sem precedentes do início do ano no Brasil, estamos presenciando extremos climáticos, eventos de grande proporção sem registros na história.
Segundo Carlos Nobre, cientista brasileiro formado pelo ITA e doutor pelo MIT (e quem eu tive a honra de assistir na Expo ESG em Piracicaba), no ritmo em que estamos, vamos ultrapassar muito antes do previsto o limite de 1,5° C de aquecimento da temperatura média global ambicionado pelo Acordo de Paris. As evidências da fervura global são cada vez mais visíveis: aumento da temperatura média, aquecimento do oceano, redução da camada de gelo, aumento do nível do mar, alteração do regime de chuvas, secas prolongadas, incêndios florestais espontâneos e outras que desencadeiam eventos cada vez mais intensos, ou seja, novos extremos climáticos.
O último dia 2 de agosto marcou o Dia da Sobrecarga da Terra, contabilidade estabelecida pela Global Footprint Network (GNK), que aponta para o dia em que esgotamos os recursos que a Terra é capaz de oferecer de forma sustentável durante um ano. No início da década de 70, isso acontecia em meados de dezembro, mas a cada ano entramos “no vermelho” mais cedo.
Como estima-se que mais da metade do PIB mundial dependa da natureza, crise climática é sinônimo de crise econômica, que, por sua vez, desemboca em crise social e aumento das desigualdades. Para a Moody’s, as mudanças climáticas podem custar 16% do PIB da América Latina até o final do século em função de danos à infraestrutura, problemas de saúde, quebra de safras entre outros.
Por desaguar no bolso das economias, o mercado financeiro mundial passou a se preocupar com a desvalorização dos ativos no longo prazo e a exigir que os negócios demonstrem o que vem fazendo pelo ambiental e pelo social, amparados pela vigilante governança. No Brasil não seria diferente. Por isso, o ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança) vem ganhando os holofotes por aqui também.
ESG não se trata de uma bolha, como acham alguns, ou de posicionamento político, como veem outros, mas de compromisso com o desenvolvimento sustentável para a perenidade das organizações, pois como nos lembra (de novo) António Guterres, não há negócio que prospere em terra arrasada. Mas para que o ESG floresça, é preciso cuidar não só do clima, mas também do “solo”. Aí voltamos à intenção, à vontade maior de contribuir para além das próprias metas, mas para o futuro de outras partes interessadas, onde se encontram a sociedade e o planeta.
O acesso à essa vontade maior começa pela atitude individual e passa, necessariamente, pela ação coletiva. Em uma organização, isso diz respeito à liderança, que é quem está à frente de um grupo, e à cultura, à forma como esse grupo se comporta, dois dos quatro pilares do Capitalismo Consciente.
Mas a ação consciente pede que a intenção saia da superfície e atinja uma camada mais profunda. Da mesma forma que o resultado visível de uma colheita depende da qualidade invisível do solo, o resultado da ação do indivíduo e do grupo depende da dimensão invisível de onde operam. Essa é a base da Teoria U de Otto Scharmer.
A letra U nada mais é do que uma linha que desce até o fundo por uma haste e depois emerge por outra. A Teoria U é esse fio condutor que mergulha até a essência, onde se encontra a fonte da mais alta possibilidade futura, para então, coletivamente, emergir e recriar o mundo a partir de um contexto social transformado pelo presencing (ato de estar presente e perceber o por vir).
No entanto, ainda estamos com muita dificuldade para suspender padrões habituais do passado e descer até o fundo do “U”. Alguns até já chegaram lá, mas boa parte não, e muitos nem estão dispostos, presos em um tipo de cegueira chamada “curtoprazismo”. Mas a intenção de um grupo, ainda que pequeno, é poderosa, pois vai jogando luz nos cantos escuros e iluminando outros. A questão é que precisamos acelerar o passo, ainda que a visão do futuro não seja tão clara.
Segundo uma citação de Václow Havel no livro de Scharmer, “é como se alguma coisa estivesse se deteriorando e se esgotando enquanto outra, ainda indistinta, estivesse se erguendo dos escombros”. Embora com muita fuligem, há uma tela em branco por baixo, e um convite para a pintarmos juntos, cocriando o futuro. Mas como várias possibilidades coexistem, espero que nós, enquanto humanidade, escolhamos aquela que não comprometa o desenvolvimento das gerações futuras. Por isso, o convite da intenção para a ação. Vamos?
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