Decisão do Copom: racha seria uma sinalização política?
Na comunicação humana, nem sempre as palavras são a única forma de transmitir mensagens. Muitas vezes, nuances sutis são comunicadas através de ações, gestos e comportamentos, nos desafiando a decifrar significados subjacentes. É como resolver um quebra-cabeça, tentando entender o que pode estar implícito além do óbvio.
A filosofia hermenêutica, desenvolvida por pensadores como Friedrich Schleiermacher, Wilhelm Dilthey e Hans-Georg Gadamer, explora a maneira como interpretamos textos e experiências, reconhecendo que a compreensão vai além do simples entendimento literal das palavras. Ela sustenta que o contexto, a cultura e a experiência pessoal desempenham um papel fundamental na interpretação e na atribuição de significado. Neste breve texto, pretendo compartilhar minha interpretação da última reunião do Comitê de Política Monetária, o Copom, usando minhas experiências, o contexto e conceitos relacionados à política monetária.
Na ata divulgada nesta semana, o Comitê explicitou as razões que fundamentaram a decisão de reduzir a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual (p.p.). Essa decisão, por suposto, contrariou as expectativas geradas pela ata da reunião anterior, na qual o Copom havia sugerido um novo corte de 0,50 p.p., um processo conhecido como forwardguidance.
Em uma postura “hawkish”, jargão do mercado que denota uma postura mais rígida, a leitura do cenário externo e doméstico levaram à essa quebra do ‘protocolo’ a ser seguido. No âmbito internacional, mostraram preocupação com a política monetária norte-americana. De fato, é alta a probabilidadede de os EUA manterem os juros altos por mais tempo. Quanto à dinâmica interna, observam uma atividade econômica resiliente, um mercado de trabalho apertado e, como consequência, uma possível pressão da inflação de serviços – o que, de fato, pode se materializar. Todos esses ingredientes, na visão do Comitê, são suficientes para incutir fatores de risco na trajetória da inflação, além de contribuir para a desancoragem das expectativas do mercado.
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Em mais de 250 reuniões do Copom, apenas em 34 ocasiões a decisão não foi unânime. Além disso, esta foi a primeira vez em 11 anos que houve desacordo entre o presidente do Banco Central e o Diretor de Política Monetária. O ponto crucial, na minha visão, é como essa discordância se manifestou. Desta vez, não foi apenas uma simples divergência entre os diretores; também destacou uma divisão entre os membros mais antigos, nomeados durante o governo de Jair Bolsonaro, e os mais recentes, indicados durante o governo de Lula.
Portanto, a crítica principal não recai ao quanto foi cortado, e sim à forma como ocorreu. Se o Comitê tivesse cortado a taxa de juros em 0,50 p.p., poderiam enfrentar críticas do mercado. Se tivessem optado por um corte de 0,25 p.p., mas de forma unânime, poderiam evitar as críticas do mercado, porém, provavelmente, seriam alvo de críticas políticas e sociais. No entanto, acabaram em uma situação complicada, pois não fizeram o corte de 0,50 p.p., perdendo assim os possíveis benefícios desse corte para a economia real, ao mesmo tempo em que também não fizeram o corte de 0,25 p.p. de forma unânime, sugerindo que a próxima diretoria do Banco Central pode ser mais propensa a cortes de juros. Com isso, acabaram recebendo críticas tanto do mercado como política.
Olhando para a política monetária, cujo foco é controlar a inflação e alinhar as expectativas, e considerando a importância da credibilidade do Copom, acredito que teria sido mais eficaz manter um corte substancial na taxa de juros, de 0,50 p.p., e comunicar de forma clara o que esperar para o futuro dos juros básicos, com possíveis reduções ou, até mesmo, ausência de novos cortes. Isso poderia ter orientado as expectativas do mercado sem gerar os problemas e ruídos que surgiram com essa decisão e sua comunicação.
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