O silêncio corporativo que adoece

Passados cinco anos da primeira edição da pesquisa Trabalho Sem Assédio, Think Eva e LinkedIn voltam a campo em 2025 para mapear o cenário do assédio sexual e moral no ambiente profissional brasileiro. O novo levantamento, que ouviu mais de 3 mil pessoas em todo o país, expõe uma ferida que o discurso corporativo ainda tenta encobrir: o assédio segue sendo parte da rotina de trabalho — e ainda é tratado com silêncio institucional.
Mais de 35% das mulheres afirmam já ter sofrido assédio sexual no trabalho, e 46% das mulheres e 42% dos homens relatam ter vivenciado assédio moral. O dado confirma o que as empresas muitas vezes evitam reconhecer: o assédio é estrutural, atravessa hierarquias e classes sociais e se alimenta de dinâmicas desiguais de poder.
Mesmo com canais e protocolos, apenas 10% das mulheres recorrem ao canal oficial de denúncias, enquanto 1 em cada 6 pede demissão após um episódio. O medo e a descrença seguem dominando:
- 55% temem ser expostas,
- 46% acreditam que nada acontecerá,
- e 41% têm medo de perder o emprego.
As consequências são graves. As vítimas relatam sentimentos de nojo, raiva, vergonha e impotência, e quase metade delas desenvolve sintomas de ansiedade, depressão e queda na autoestima. Entre mulheres negras e de menor renda, o impacto é ainda mais severo, revelando como o assédio se sobrepõe às desigualdades raciais e econômicas.
No caso do assédio moral, o retrato também é preocupante: gritos, humilhações e perseguições são relatados por quase metade das pessoas entrevistadas. Um terço das vítimas muda suas expectativas de carreira, e 1 em cada 6 pede demissão — um indicador do custo humano e financeiro de culturas organizacionais que naturalizam a violência simbólica como método de gestão.
Apesar da Lei 14.457/22 (Emprega + Mulheres) prever medidas obrigatórias de prevenção, 83% dos trabalhadores afirmam desconhecer a lei, e mais da metade (53%) não percebe nenhuma ação concreta nas empresas. Em alguns casos, há pior: 6% relatam que suas organizações abafam casos ativamente.
O relatório mostra que as empresas falam mais sobre assédio moral do que sexual, mas ainda carecem de ações consistentes. Comunicação e treinamentos são os movimentos mais comuns — e, muitas vezes, os únicos.
Fica o alerta: enfrentar o assédio é um imperativo ético e estratégico. Em tempos de ESG e sustentabilidade humana, não basta “ter políticas”; é preciso mudar a cultura. Porque, quando o silêncio é a resposta, o que se adoece não são apenas as pessoas — é a própria empresa.
Ouça a rádio de Minas