Na cama de Procusto: governo quer encaixar contas públicas onde não cabem
Imagine um viajante desavisado que, ao chegar a uma hospedaria, descobre que precisa caber em uma cama que não é feita para ele. Se é alto demais, é serrado. Se é baixo, esticado até seus ossos quebrarem. Esse é o mito grego da cama de Procusto. Dramático e cruel? Sem dúvida. Mas, fazendo um paralelo com o tema desta coluna, é o que o governo tem feito com a economia: tenta encaixar as contas públicas em um leito de arrecadação que não combina com a realidade fiscal brasileira.
As recentes medidas anunciadas como contrapartida ao IOF, a exemplo da tributação de investimentos isentos, do aumento do JCP e da elevação da CSLL para fintechs, foram um verdadeiro balde de água fria. Se fizermos um esforço, podem até ser compreensíveis do ponto de vista de cumprir a meta fiscal do novo arcabouço, mas repetem o velho vício de tapar buracos com medidas de curto prazo, enquanto as reformas estruturais seguem esquecidas na gaveta. É mais um episódio de improviso que evita o debate sério sobre a real sustentabilidade da dívida pública.
A dívida brasileira, que beira 76% do PIB, não é apenas um número contábil: é um peso que limita investimentos, aumenta a desconfiança dos agentes econômicos e empurra para cima a taxa de juros de forma crônica. Sem atacar suas causas estruturais, como a rigidez dos gastos obrigatórios, a ineficiência do Estado e a baixa qualidade do gasto público, qualquer aumento de arrecadação se esgota rapidamente na “cama de Procusto” da nossa máquina pública.
Em vez de cortar ou esticar o corpo da economia para caber nas receitas de ocasião, o País precisa de reformas profundas: revisão das vinculações orçamentárias, rediscussão das despesas previdenciárias, reforma administrativa, corte de subsídios e subvenções, contenção das famigeradas emendas parlamentares, além da desvinculação de receitas de saúde e educação, entre outras. Essas medidas poderiam oferecer ao Brasil um colchão fiscal mais confortável e, acima de tudo, sustentável.
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É claro que a discussão não é tão simplista. Afinal, cerca de 90% do orçamento está engessado em rubricas obrigatórias. Mas o governo, mais uma vez, adia a discussão séria sobre o Estado brasileiro que queremos para o futuro. Ao insistir na lógica da arrecadação fácil, acabamos empurrando a economia para a cama de Procusto, onde o crescimento é mutilado e a confiança esticada até o limite.
Está na hora de quebrar esse ciclo. O Brasil precisa de um leito fiscal que se ajuste à realidade, em vez de insistir em serrar ou esticar a economia para caber em metas que ignoram a complexidade do problema. Sem isso, continuaremos prisioneiros de soluções imediatistas e a cama de Procusto seguirá nos assombrando.
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