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Confiança e política monetária: um jogo de expectativas e reputação

Mensagem transmitida pelo BC com a manutenção da taxa de juros reflete o preço cobrado pela incerteza

A estabilidade de preços, pedra angular do regime monetário brasileiro desde 1999, enfrenta diversos testes desde a pandemia de Covid-19. A recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a Selic em patamares restritivos não é apenas uma resposta à inflação corrente, mas um movimento calculado dentro de um jogo de expectativas e reputação. A ata da 275ª reunião, analisada sob a luz da teoria macroeconômica moderna e de evidências empíricas sobre a credibilidade do Banco Central (BC), confirma essa conjuntura.

O documento revela um BC ainda em postura defensiva. O diagnóstico de que o mercado de trabalho se encontra apertado e a inflação de serviços permanece resiliente dialoga diretamente com a necessidade de ancoragem das expectativas. Estudos recentes sobre a economia brasileira demonstram que a inflação no País tornou-se predominantemente forward-looking. Isso significa que a dinâmica de preços responde muito mais ao que os agentes esperam que vá acontecer do que à inércia do passado. Nesse contexto, a insistência do Copom em manter os juros altos por um “período muito prolongado” é a aplicação prática dessa teoria: sem reconquistar a credibilidade, definida como a confiança de que a meta será cumprida, o custo de desinflação torna-se proibitivo.

A ata da reunião alerta que o afrouxamento da disciplina fiscal e a incerteza sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial deletério de elevar a taxa neutra de juros da economia. Em um ambiente de dominância das expectativas, a falta de harmonia entre as políticas fiscal e monetária atua como um ruído que distorce a transmissão dos juros. A evidência empírica sugere que, quando a credibilidade do BC é alta, choques de oferta ou flutuações fiscais têm menor impacto na inflação final. Contudo, com as expectativas para 2026 já desancoradas, o BC se vê obrigado a impor uma restrição monetária mais severa para compensar a falta de colaboração do lado fiscal.

Além disso, a proximidade do ciclo eleitoral adiciona volatilidade. Crises de confiança e incertezas políticas tendem a pressionar o prêmio de risco e depreciar o câmbio. A ata reconhece esses riscos ao citar a possibilidade de políticas econômicas com impacto inflacionário mais forte. Se a reputação do BC sofrer erosão, sua capacidade de amortecer esses choques eleitorais diminui.

A mensagem transmitida pelo BC em sua última reunião do ano é de que a manutenção da Selic em 15% é o preço cobrado pela incerteza. A autoridade monetária parece disposta a sacrificar o crescimento de curto prazo para evitar que a inflação escape ao controle, ciente de que, sem credibilidade, não há política monetária eficaz, apenas uma corrida contínua e desgastante atrás dos preços. O sucesso dessa estratégia dependerá não só da firmeza do Copom, mas de o quanto o ambiente fiscal e político permitirá que as expectativas de inflação retornem ao centro da meta.

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