Endividamento e consumo: impactos na economia e nas famílias

Guilherme Almeida*
Desde o segundo trimestre de 2022, o consumo familiar vem diminuindo em ritmo acelerado. As causas desse declínio são multifacetadas, passando por questões comportamentais até fatores conjunturais. Essa tendência é preocupante, uma vez que quase 70% da riqueza gerada no País provém das despesas de consumo das famílias. O que será que explica essa desaceleração? Seria o processo inflacionário, que vimos impactar todo o mercado no último ano? Ou os juros elevados? O desemprego, talvez? Eu diria que uma combinação disso tudo que, de maneira persistente, levou muitas famílias ao endividamento excessivo e à inadimplência.
Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), 78,3% das famílias encontram-se endividadas. Porém, esse número, sozinho, não nos diz muita coisa. O que é relevante são as características desse endividamento. Quando a qualidade do endividamento é ruim – contemplando uma combinação de dívidas longas, comprometimento acima de 30% da renda e alto custo – e a conjuntura não ajuda, o cenário começa a se deteriorar. Prova disso, é que 29,1% das famílias não conseguiram honrar os compromissos e acabaram inadimplentes ou, como popularmente chamamos, com o “nome sujo na praça”.
Estruturalmente, o endividamento das famílias no Brasil pode ser atribuído a diversascausas. A primeira delas é a elevada taxa de juros. Historicamente, o Brasil possui taxas de juros altas, o que encarece o crédito e dificulta o pagamento das dívidas. Isso afeta diretamente aqueles que recorrem a empréstimos e financiamentos para adquirir bens e serviços. Aqui, taxa de juros significa custo! E esse custo, cresceu vertiginosamente, em todas as modalidades, desde a pandemia. Para ilustrar, tomemos como exemplo a taxa média praticada no uso do cartão de crédito: quando parcelado, a taxa praticada saiu dos 6,72% ao mês, em junho de 2020, para os atuais 9,61%. No crédito rotativo, que é aquele acionado quando um devedor paga um valor inferior ao total da fatura, saltou dos já elevados 11,97% a.m. para 15,22%. São quase 450% ao ano!
Outro ponto que contribui para o endividamento em excesso, é o acesso facilitado ao crédito. Embora isso possibilite o consumo para muitas famílias, também aumenta o risco de endividamento excessivo, especialmente quando não há um planejamento financeiro adequado. O desemprego e a baixa renda, além do aumento do custo de vida, são temperos adicionais nessa receita explosiva. No segundo caso, quando os gastos básicos consomem uma parcela significativa da renda, as famílias recorrem a empréstimos para suprir suas necessidades diárias.
Podemos citar, ainda, diversos fatores comportamentais. A falta de conhecimento sobre finanças pessoais e a ausência de uma cultura de planejamento financeiro são fatores que contribuem para esse cenário. Muitas pessoas não têm noções básicas de como administrar seu dinheiro, o que pode levar a gastos impulsivos e descontrolados. Além disso, o mau uso do crédito é outro fator a ser considerado. Muitas vezes, as pessoas não avaliam adequadamente sua capacidade de pagamento e acabam contraindo empréstimos e financiamentos dos quais não consegue honrar.
Nesse delicado cenário, tanto famílias, como a economia como um todo, são impactadas. Para as famílias, o primeiro efeito sentido é a redução do poder de compra. Isso porque o pagamento de dívidas consome uma parte significativa da renda das famílias, limitando sua capacidade em adquirir bens e serviços. Além disso, a preocupação constante com as dívidas e a falta de perspectiva de solução podem afetar negativamente a saúde mental dos indivíduos. Ademais, quando uma família se torna inadimplente, seu histórico de crédito é prejudicado, o que pode dificultar a obtenção de empréstimos ou financiamentos futuros, tornando mais desafiador lidar com emergências financeiras.
Agora, imagine o efeito desses fatores na economia. O primeiro movimento é sentido via redução do consumo. Quando as famílias estão endividadas ou inadimplentes, tendem a diminuir seus gastos e consumo. Isso afeta negativamente a demanda agregada, podendo levar a uma desaceleração econômica. Em partes, é o que observamos nos dados do Produto Interno Bruto (PIB) desde o primeiro trimestre de 2022. A desaceleração das despesas de consumo afeta diretamente os setores produtivos, uma vez que há menos demanda por bens e serviços. Assim, empresas podem ter dificuldades financeiras, reduzir produção e até demitir funcionários, gerando impactos no mercado de trabalho.
Portanto, o alto endividamento e a inadimplência têm efeitos amplos. É fundamental adotar políticas que promovam a educação financeira, incentivem o consumo responsável e garantam um ambiente econômico saudável para evitar esses impactos negativos.
* Especialista em Educação Financeira no Grupo Suno. Sócio-fundador da Certifiquei, possui experiência como economista, atuando na gestão e elaboração de pesquisas e análises socioeconômicas. Mestre em Estatística pela UFMG. Redes sociais: Instagram: @guilherme.certifiquei / Linkedin: https://www.linkedin.com/in/guilherme-almeida-economista. E-mail: [email protected]
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