Juro real e o risco fiscal
Embora o mercado brasileiro tenha se recuperado do forte estresse vivido no final de 2024, com o dólar e as taxas de juros futuras recuando de seus picos, os juros reais oferecidos por títulos públicos atrelados à inflação (NTN-B) permaneceram em patamares historicamente elevados.
O principal motor por trás dessas taxas elevadas é, sem dúvida, a crescente percepção de risco fiscal. O mercado demonstra dúvidas cada vez maiores sobre a capacidade do governo em cumprir as metas fiscais estipuladas e estabilizar a trajetória da dívida pública. As atenções já se voltam para os desafios do orçamento de 2026, no qual há uma pressão crescente por mais gastos públicos sem uma contrapartida clara de receitas ou cortes, alimentando a incerteza. Em resposta, é natural que os investidores exijam um prêmio de risco maior para financiar o governo, e esse prêmio se reflete diretamente nas taxas do Tesouro IPCA+.
Contudo, a questão fiscal não explica tudo. O mercado de NTN-B enfrenta também um forte desequilíbrio técnico. De um lado, o Tesouro Nacional promoveu leilões volumosos ao longo do ano, incluindo ofertas extraordinárias que injetaram uma grande quantidade desses papéis no mercado. Mesmo com uma redução recente no ritmo das emissões semanais, o mercado ainda digere esse excesso de oferta. Do outro lado, está a suposta concorrência das emissões privadas. O volume de debêntures incentivadas, que contam com isenção de imposto de renda para pessoas físicas, explodiu. Esses títulos competem pela alocação dos investidores, forçando o Tesouro a “pagar a conta” duas vezes: primeiro, ao conceder o benefício fiscal que estimula essa concorrência; segundo, ao ter que oferecer taxas de juros reais muito mais altas em seus próprios títulos para conseguir atrair compradores.
Essa combinação de risco fiscal e pressão técnica criou uma janela de oportunidade rara. Títulos como o Tesouro IPCA+ 2029 chegaram a oferecer taxas de IPCA+ 8% ao ano, um patamar visto como insustentável a longo prazo. Mesmo que essas taxas recuem ligeiramente, a expectativa é que permaneçam em níveis muito atrativos, possivelmente na casa de IPCA mais 7% ou 7,5%, enquanto a incerteza fiscal e o cenário externo não se resolverem.
Diante de taxas tão convidativas, o investidor precisa ter cuidados redobrados. O principal risco ao selecionar esses títulos não é o de crédito, afinal, o emissor é o Tesouro Nacional, considerado o mais seguro do País. O verdadeiro ponto de atenção reside no risco de mercado, conhecido como marcação a mercado.
A janela aberta por taxas tão elevadas é o preço que o mercado cobra pela incerteza. Enquanto uma âncora fiscal crível não for estabelecida e o mercado não digerir o desequilíbrio entre oferta e demanda, o Tesouro seguirá pagando caro para se financiar, mantendo esses prêmios elevados como um sintoma agudo da desconfiança que paira sobre a economia brasileira.
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