Nova era do consignado privado
Na última semana, foi lançada a nova estrutura do crédito consignado para o setor privado. Embora o momento atual não favoreça políticas de estímulo ao consumo, essa medida representa um avanço importante do ponto de vista microeconômico. Mesmo que críticas surjam desqualificando a reformulação, é essencial analisar o tema sem viés político.
O consignado privado já existia, mas enfrentava barreiras que limitavam sua adesão. Antes, para que um trabalhador com carteira assinada pudesse acessar esse tipo de empréstimo, sua empresa precisava firmar um convênio específico com uma instituição financeira. Essa exigência reduzia as opções disponíveis e tornava o processo mais burocrático. Essa limitação ajuda a explicar porque, ao final de 2024, o volume total do consignado privado somava apenas R$ 40 bilhões, enquanto o consignado do INSS alcançava R$ 271 bilhões e o do funcionalismo público chegava a R$365 bilhões.
A nova estrutura elimina a exigência de convênios diretos entre empresas e bancos, ampliando as opções de oferta. Agora, com quase 100 instituições financeiras habilitadas a conceder esse tipo de crédito por meio do eSocial, a expectativa é que o mercado de consignado privado alcance cerca de R$120 bilhões, segundo a Febraban.
O crédito é peça-chave em qualquer sistema econômico e essa reformulação do consignado privado ataca um problema estrutural ao destravar o acesso aos recursos para trabalhadores do setor privado. Com a nova estrutura, a assimetria de informações é reduzida, já que as instituições financeiras terão acesso a dados como tempo de empresa, margem consignável e até informações sobre verbas rescisórias. Essa maior transparência permite uma avaliação de risco mais precisa, diminuindo incertezas e viabilizando a oferta de crédito a taxas potencialmente menores.
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Naturalmente, há pontos que merecem atenção, como a forma de pagamento das parcelas em caso de demissão. Nesse cenário, o saldo devedor pode ser descontado das verbas rescisórias, respeitando o limite de 10% do saldo do FGTS e 100% da multa rescisória. Essa regra oferece certa proteção tanto para o trabalhador quanto para a instituição financeira, mas exige que o primeiro esteja ciente das implicações financeiras caso venha a perder o emprego.
Como nem tudo são flores, a preocupação recai quanto ao timing dessa medida. Como se trata de uma iniciativa que estimula o consumo, há o risco de aumentar a pressão sobre os preços, o que chama a atenção do Banco Central. Em um contexto no qual a autoridade monetária eleva a taxa básica de juros para conter a inflação, um impulso adicional na demanda não é exatamente o que se deseja.
Ainda assim, acredito que essa preocupação com o timing não deve desmerecer os méritos da medida — para este problema, há uma solução: é fundamental que a política fiscal, ou seja, os gastos do governo, caminhe de forma coordenada com a política monetária.
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