O que foi, continua sendo: a inércia e seus efeitos na inflação
O Banco Central divulga, periodicamente, o Relatório de Inflação, um documento que consiste em uma leitura da conjuntura econômica, trazendo, de forma adicional, estudos sobre os componentes econômicos, como inflação, juros, desemprego, entre outros.
Em sua última edição, referente ao terceiro trimestre, destaca-se a análise que a autoridade monetária apresenta sobre a dinâmica da inflação, tanto no contexto doméstico quanto nos Estados Unidos. Por um lado, atribui ao ainda elevado patamar inflacionário norte-americano, causas como o mercado de trabalho aquecido, a demanda elevada e o componente inercial da pressão sobre o nível de preços. Por outro, afirma que a inflação mundial continuará pressionada no curto e médio prazos, devido ao preço das principais commodities e, mais uma vez, à inércia. Por fim, ressalta que, para o Brasil, as expectativas de inflação para 2025 provavelmente permanecerão altas,em parte devido à persistência da inércia inflacionária. Mas, afinal, o que significa essa inércia?
Na física, a inércia representa a propensão natural de um objeto em resistir a mudanças em seu estado original. Em termos simples, um objeto em repouso tende a permanecer nesse estado, enquanto um corpo em movimento tende a continuar em movimento. No âmbito econômico, particularmente em relação à inflação, o princípio é análogo. Imagine que a inflação é como uma bola de ferro rolando morro abaixo. Parar essa bola requer um esforço maior do que simplesmente impedir que ela continue rolando. Isso acontece porque ela tem uma espécie de “inércia”, uma tendência a continuar em movimento.
A inércia inflacionária refere-se à tendência de a taxa de inflação permanecer elevada de forma persistente, mesmo após a remoção das pressões inflacionárias originais. Em outras palavras, é a capacidade da inflação de se manter em um nível alto mesmo quando as causas originais do aumento de preços já foram corrigidas. Isso ocorre porque as expectativas dos agentes econômicos, como consumidores e empresas, são influenciadas pelas experiências passadas. Se as pessoas estão acostumadas a uma alta taxa de inflação, elas tendem a incorporar essa expectativa em seus comportamentos.
Um exemplo claro de inércia inflacionária ocorre quando os salários são reajustados com base na inflação do período anterior. Nesse cenário, os trabalhadores estão, essencialmente, tentando compensar a perda de poder de compra que enfrentaram devido à inflação passada. Contudo, esse reajuste acaba contribuindo para a inflação corrente, já que as empresas precisam repassar o aumento dos custos salariais para os preços de seus produtos e serviços. Assim, esse ciclo pode persistir, mesmo que as condições econômicas subjacentes que inicialmente causaram a inflação já tenham sido corrigidas.
A inércia é um fenômeno que dificulta a estabilização dos preços. Para combatê-la, os bancos centrais muitas vezes precisam adotar políticas monetárias restritivas, como aumentar as taxas de juros. Sua redução envolve a implementação de políticas econômicas destinadas a alterar as expectativas dos agentes e restaurar a confiança na estabilidade de preços. Entre os diversos remédios para esse processo, dois são fundamentais: o fortalecimento da credibilidade do Banco Central; e a redução, ou mesmo eliminação, da indexação na economia.
Um Banco Central mais confiável possui maior facilidade em convencer os agentes econômicos de que a inflação está sob controle. No contexto brasileiro esse ponto tem sido atacado pela autoridade monetária, especialmente desde a gestão de Ilan Goldfajn, cuja atuação reformulou, de forma substancial, a comunicação da instituição. Uma comunicação clara das metas e estratégias de controle dos preços ajuda a orientar as expectativas dos agentes, tornando-as mais alinhadas com as metas de estabilidade da inflação. Já em relação ao segundo remédio, temos na essência da indexação um mecanismo que vincula os preços a um índice de inflação passada. Sendo assim, uma eventual redução da indexação contribui para diminuir a pressão sobre os preços.
A redução da inércia inflacionária é um desafio complexo, mas necessário para o controle da inflação. Especialmente no Brasil, em que a inércia vem aumentando desde o estopim da pandemia, medidas são bem-vindas, desde que promovam mudanças estruturais.
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