A percepção pública da dívida
A dívida pública atingiu níveis históricos em muitas economias após os volumosos pacotes fiscais implementados para combater a pandemia. No Brasil, o debate sobre a sustentabilidade fiscal e a eficácia da âncora fiscal é uma constante no noticiário. Nessa temática, o sucesso de qualquer ajuste não depende apenas da precisão dos modelos, mas de algo mais subjetivo: a percepção pública. Um artigo do NBER analisou como o conhecimento, as crenças e as experiências passadas dos cidadãos moldam suas expectativas sobre impostos e gastos do governo.
O estudo, baseado em um inquérito em larga escala com mais de 27 mil pessoas em 13 países, incluindo o Brasil, revela “lacunas no entendimento público” sobre política fiscal. De forma consistente, os indivíduos subestimam os níveis reais da dívida, um fenômeno particularmente acentuado em países já muito endividados. Além da falta de informação, há uma tendência clara de pessimismo: as pessoas geralmente esperam que os ajustes fiscais, quando vierem, as afetem desproporcionalmente. A pesquisa também identificou que a idade e a posse de ativos financeiros são os fatores mais determinantes para um melhor conhecimento fiscal, sugerindo um abismo entre a percepção do mercado financeiro e a do cidadão comum.
A pesquisa ainda mostra que uma maior exposição ao longo da vida a episódios de austeridade está diretamente ligada a um pessimismo acentuado sobre o futuro. Esse pessimismo se traduz em menor confiança no governo e em expectativas mais elevadas de que a dívida continuará subindo, exigindo novos aumentos de impostos, mais cortes de gastos e inflação mais alta no futuro.
Para testar como a informação impacta essas crenças, os pesquisadores realizaram experimentos fornecendo aos participantes os dados reais da dívida de seus países. Os resultados mostram que as pessoas, de fato, ajustam suas expectativas, mas o fazem de maneiras distintas dependendo do contexto. Em países onde a dívida se mostrou estável ou em queda, fornecer a informação correta acalmou os ânimos, reduzindo as expectativas de aumentos de impostos. Em contraste, em países com dívida crescente, a informação aumentou as expectativas de que haverá cortes de gastos. Notavelmente, nesses países, a informação não alterou as expectativas sobre aumentos de impostos, que já permaneciam altas.
O impacto dessa nova informação também é moderado pelas experiências passadas de cada indivíduo. A forma como o público percebe a trajetória da dívida afeta diretamente seu apoio a reformas e suas decisões de consumo e poupança. Iniciativas focadas em transparência e comunicação direcionada podem influenciar as expectativas e, potencialmente, aumentar o apoio a reformas fiscais necessárias, ainda que politicamente desafiadoras. No fim das contas, a gestão das expectativas da população pode ser tão importante quanto a própria gestão da dívida.
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