Por que a inflação de alimentos (ainda) não preocupa o Banco Central?
Os alimentos têm um papel relevante no índice oficial de inflação, sendo acompanhados de perto pelo Banco Central do Brasil para orientar sua política monetária, ou seja, decisões sobre a elevação ou redução dos juros básicos da economia. Nos últimos três meses, testemunhamos um aumento nos preços médios além do esperado. Esse aumento é em grande parte impulsionado pela inflação dos alimentos essenciais, especialmente de produtos in natura. No entanto, contrariamente ao que se possa pensar, essa pressão inflacionária não necessariamente gera preocupação imediata para a autoridade monetária e não deve afetar sua decisão sobre os juros.
No ano passado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registrou um crescimento acumulado de 4,62%. Enquanto isso, a inflação dos alimentos encerrou 2023 com uma variação de 1,03%, marcando uma significativa redução em comparação ao ano anterior, quando alcançou aumento de 11,64%. Esse movimento desempenhou um papel relevante na desaceleração da inflação no Brasil, especialmente no subgrupo de alimentação no domicílio, onde os preços recuaram 0,52%.
Contudo, de outubro de 2023 até fevereiro deste ano, a inflação mensal dos alimentos surpreendeu as expectativas do mercado, acumulando o dobro do índice geral no período (4,45% versus 2,35%). Existem algumas razões para esse cenário: primeiramente, os preços dos alimentos estão sujeitos a efeitos sazonais, especialmente nesta época. No verão, alimentos in natura, como hortaliças, legumes, tubérculos e raízes, naturalmente experimentam uma redução na oferta, o que aumenta a pressão sobre os preços. Em segundo lugar, há o fator climático. O El Niño intensificou as variações climáticas, afetando as colheitas. Chuvas excessivas no sul do País, combinadas com a seca na Amazônia, no Centro-Oeste e no Nordeste, reduziram a produção agrícola.
Perceba, portanto, que as recentes altas nos preços dos alimentos são resultado de uma combinação de fatores sazonais e condições climáticas desfavoráveis. A expectativa é que a chegada do outono e uma redução do impacto do El Niño ajudem a estabilizar os preços. No entanto, esse cenário pode mudar rapidamente devido à nossa vulnerabilidade a mudanças climáticas imprevistas. De toda forma, a atual situação da inflação alimentar não é uma grande preocupação para os membros do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável por definir a meta da taxa básica de juros da economia, a Selic.
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Conforme destacado em suas últimas reuniões, o foco principal de preocupação do Copom está na inflação de serviços. O núcleo de serviços é uma das métricas fundamentais observadas pelo Banco Central para avaliar a continuidade do ciclo de redução da Selic. Embora a taxa básica de juros tenha diminuído em cinco ocasiões consecutivas, o Copom expressou claramente sua preocupação com a trajetória da desinflação.
Com a economia aquecida, o mercado de trabalho se fortalece e as famílias ampliam sua cesta de consumo. À medida que se sentem mais confortáveis com sua renda, tendem a aumentar os gastos com viagens, serviços de lazer e refeições fora de casa. Além disso, um mercado de trabalho apertado, onde os reajustes salariais superam a meta de inflação sem aumentos correspondentes na produtividade, pode retardar a convergência da inflação para a meta, afetando especialmente os setores intensivos em mão de obra, como os serviços.
Por aqui, mesmo os serviços livres sofrem com indexação, como é o caso do aluguel. Esses gastos têm um peso significativo no orçamento das famílias e são menos suscetíveis a reduções ao longo do ano. Embora os resultados recentes não alterem a tendência de redução da Selic, eles alertam para a trajetória dos preços. Apesar de ficar evidente que fatores voláteis impactaram os resultados, é crucial observar como os próximos meses irão se desenrolar. O foco, portanto, estará mais nos serviços do que nos alimentos.
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