Panorama fiscal: por que ajustar contas públicas se podemos alterar metas?
Após dois anos seguidos de saldo positivo, o setor público consolidado enfrentou um desafio em 2023, registrando um déficit primário de R$ 249 bilhões, equivalente a 2,3% do PIB. Essa mudança foi impulsionada pela reversão do superávit do governo central, que passou a registrar um déficit de R$ 265 bilhões, em contraste com o superávit de R$ 55 bilhões do ano anterior. Ademais, as empresas estatais também contribuíram para essa virada, saindo de um superávit para um déficit no mesmo período, enquanto os entes regionais mantiveram resultados positivos, embora menores.
A deterioração do resultado fiscal do governo central foi causada pela queda na receita líquida (-2,2% em termos reais) e pelo aumento expressivo das despesas (12,5%). Destacam-se o crescimento dos gastos com programas sociais autorizados pela Emenda Constitucional (EC) 126/2022 e o pagamento de precatórios judiciais em dezembro, devido à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por outro lado, a queda nos preços das commodities no mercado internacional e a redução das alíquotas do IPI afetaram as receitas. As compensações tributárias aumentaram devido a uma decisão judicial do STF em 2021, segundo a qual o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS/Cofins.
Em 2024, esse movimento de deterioração das contas públicas parece continuar. De acordo com dados do Tesouro Nacional, no primeiro trimestre, houve um aumento real de 9,1% na receita líquida do governo em relação ao mesmo período de 2023, atribuído a medidas de elevação da arrecadação e a uma atividade econômica mais robusta.No entanto, esse crescimento não é suficiente para atingir a meta de 2024, visto que os gastos têm aumentado mais que as receitas, resultando em um déficit primário elevado. As despesas aumentaram 12,7% nos três primeiros meses do ano, principalmente devido ao pagamento de precatórios, benefícios previdenciários e transferências sociais.
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Com essa composição, o déficit primário do governo central alcançou R$ 247,4 bilhões nos últimos 12 meses até março, o equivalente a 2,2% do PIB. Mesmo excluindo os precatórios, o déficit fiscal ainda é significativo, permanecendo distante da meta. Considerando as bandas previstas no arcabouço fiscal, o governo poderia entregar um déficit de até R$29 bilhões, atingindo o objetivo do corrente ano.
O que vimos, porém, é que, diante do cenário fiscal desafiador, o governo decidiu mudar suas metas para os anos de 2025 e 2026. Antes, a ideia era equilibrar as contas em 2024 para, a partir de 2025, gerar mais receitas do que despesas, alcançando um superávit de 0,5% do PIB, percentual que aumentaria para 1% em 2026. No entanto, esses planos mudaram. Agora, a meta para 2025 é a mesma de 2024, isto é, déficit zero. Para 2026, o objetivo foi reduzido de 1% para 0,25% do PIB. Isso significa que apenas em 2028, no próximo governo, se espera atingir um superávit de 1%.
Na prática, o afrouxamento das metas retarda o ajuste fiscal e piora a trajetória da dívida pública que, por sinal, já está em alta. O esforço de obtenção da meta fiscal tem vindo somente pelo lado da arrecadação, sem redução de despesas, e com medidas adotadas para aumentar a receita em 2024 que não se repetirão em 2025. Tais mudanças na política fiscal, que relaxam o controle sobre as finanças públicas, têm como consequência o aumento das taxas de juros de longo prazo. Isso, inclusive, pode ser observado nas taxas dos títulos do Tesouro corrigidos pelo IPCA que ultrapassaram os 6%. Taxas de juros mais altas desencorajam o investimento produtivo, o qual já está baixo em relação ao tamanho da nossa economia. No último ano, este foi de apenas 16,5% do PIB, um valor insuficiente para um país que deseja crescer 3,0% ao ano.
Quando o governo gasta mais do que arrecada, ele precisa se endividar. E quanto mais ele se endivida, mais difícil se torna manter as taxas de juros baixas, o que por sua vez encarece o crédito. Com o crédito mais caro, a atividade econômica desacelera, levando a um crescimento menor. Por isso, é fundamental que o governo gaste de forma eficiente, mostrando um compromisso real com a redução da dívida pública.
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