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Reforma tributária: vitória de todos, mas amarga para alguns

Reforma tributária: vitória de todos, mas amarga para alguns
Guilherme Almeida, colunista do Diário do Comércio | Crédito: Arquivo Pessoal/Divulgação

No Brasil, a necessidade de uma reforma tributária é amplamente discutida há décadas. O modelo atual é caro e complexo, sendo considerado problemático, pois acumula impostos ao longo da cadeia de produção, o que prejudica setores com mais etapas produtivas. Além disso, é baseado em impostos cobrados na origem, o que torna os investimentos mais caros e leva a uma competição entre estados.

Também possui várias alíquotas, o que torna difícil para os consumidores entenderem quanto estão pagando e aumenta as disputas judiciais. Diante desse contexto, na última semana foi aprovada na Câmara dos Deputados a primeira fase da reforma tributária. Um passo importante para o País, mas que possui detalhes que merecem nossa atenção.

Na prática, o primeiro ponto atacado pela reforma é a complexidade. A simplificação fica evidente com a consolidação de cinco impostos em um, na figura do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Esse IVA será um imposto dual, com escopos estadual e municipal (IBS) que unificará o ICMS e o ISS, além do federal (CBS), cujo propósito é unificar o PIS, Cofins e IPI. Para além disso, a reforma busca resolver outros problemas da estrutura atual: adota um sistema não cumulativo, isto é, um sistema no qual os impostos sejam cobrados apenas uma vez ao longo da cadeia de produção; propõe que os impostos sejam cobrados no destino, onde o produto é consumido, evitando distorções e competições entre estados; e sugere a adoção de três alíquotas: uma padrão, uma reduzida e uma nula.

Durante as discussões na Câmara, foram feitas mudanças que ampliaram os bens e serviços que poderão pagar menos impostos ou até mesmo ficar isentos. Para algumas atividades, foi estabelecida a possibilidade de crédito presumido – mecanismo em que um crédito fiscal é atribuído aos contribuintes com base em estimativas ou cálculos definidos pela legislação tributária, mesmo que eles não tenham efetivamente pago o imposto correspondente. No entanto, essas exceções extras têm o efeito de reduzir o potencial da reforma de três formas: primeiro, mantém o sistema tributário complexo, o que pode levar a mais disputas judiciais sobre a interpretação das leis tributárias; segundo, tornam o sistema menos transparente para os consumidores finais; e terceiro, aumentam a alíquota padrão e as distorções na alocação dos recursos, já que a perda de arrecadação com as exceções precisa ser compensada por outros setores da economia.

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Outra pauta inconsistente ao texto é a introdução de um artigo que estabelece a manutenção de certos benefícios relacionados ao IPI e ao PIS/Cofins até o final de 2032 para algumas regiões, benefícios estes que haviam sido estabelecidos por lei e originalmente tinham previsão de encerramento até o fim de 2025. O receio é que essa inclusão abra a possibilidade de que outros benefícios sejam igualmente prolongados.

Após aprovação na Câmara, a reforma agora caminha para o Senado. Acredita-se que ocorra a promulgação do texto, com supressão do que consideram excessos. Será necessária, também, a aprovação de uma lei complementar que detalhe os novos tributos, definindo operações, regimes especiais, distribuição do imposto, cálculo dos créditos para a não cumulatividade, papel do chamado Conselho Federativo – ente que fará a gestão do IBS e será custeado por tributos federais –, entre outros assuntos. Inclusive, questões sobre a ocupação das cadeiras e dinâmica do Conselho ainda ficaram em aberto, o que vem gerando preocupações em prefeitos e governadores – mais um imbróglio da reforma.
Após a definição dos aspectos regulados via lei complementar, será possível, enfim, calcular a alíquota de referência. No mundo, essas alíquotas variam entre 15% em países em desenvolvimento, e 25% em desenvolvidos. Para o Brasil, é uma incógnita. Contudo, a ampliação das exceções pode levar a uma alíquota mais alta. Por outro lado, a simplificação e o incentivo à formalização por meio da não cumulatividade plena, podem contribuir para um percentual menor. De toda forma, creio estará mais próximo de 25%.

Em geral, é difícil alguém ser totalmente contra a reforma tributária. Estudos mostram que ela tende a ser positiva. Em particular, dois trabalhos do Centro de Cidadania Fiscal avaliam que, com a proposta original da PEC 45/2019, o Brasil poderia ter um aumento relevante do crescimento econômico nos 15 anos seguintes à sua implementação. Nesse cenário, enquanto a indústria seria o setor mais beneficiado, os serviços poderiam ser impactados de forma negativa. Tais impactos, porém, seriam compensados pelo crescimento da economia ao longo do tempo. Esses estudos, é claro, precisam ser recalibrados, considerando as ‘jabuticabas’ que surgiram na redação final.

O texto da Câmara está longe de ser o ideal – e piorou com algumas inclusões ‘de última hora’ –, mas representa um avanço institucional para o aumento da competitividade brasileira. Contudo, não podemos nos acomodar. Ainda faltam diversos detalhes para a consolidação da norma. E, como sabemos, ‘o diabo mora nos detalhes’.

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