Risco moral: quem paga a conta?
Este é o centésimo artigo da coluna Economia para Todos. Quando fui convidado a escrever neste espaço, a proposta era clara: trazer conceitos do universo macro e microeconômico para o centro da discussão, sempre conectando teoria e conjuntura, com uma linguagem acessível e didática. A essa estrutura, somaram-se as análises do cenário econômico e as críticas a políticas públicas, sempre com o mesmo compromisso de tornar o debate mais democrático. Aproveitando este marco simbólico, quero revisitar um conceito central para entendermos muitas das distorções que ocorrem em nossa economia: o moral hazard, ou risco moral.
O risco moral descreve uma situação clássica em que um agente econômico toma decisões mais arriscadas porque sabe que, se algo der errado, ele não será o único a arcar com os custos. É a velha história dos incentivos mal calibrados: quando alguém tem a proteção garantida por terceiros, seja o governo, o mercado ou o contribuinte, a imprudência tende a prevalecer.
Embora seja um tema bem explorado na teoria econômica, o risco moral se mostra ainda mais relevante quando observamos os episódios recentes a nossa volta. Um exemplo é o ciclo recorrente de socorro a estados e municípios endividados, que, confiantes na ajuda federal, gastam mais do que arrecadam. As sucessivas renegociações de dívida evitam colapsos imediatos, mas enfraquecem os incentivos à responsabilidade fiscal.
No setor bancário, o risco moral também deixou suas marcas. São vários os episódios de socorro a instituições privadas, seja por meio da intervenção do Estado, como a aquisição via bancos públicos, seja por meio da socialização das perdas via Fundo Garantidor de Créditos. A atuação da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil em casos como os do Banco PanAmericano e do Banco Votorantim reforça a ideia de que algumas instituições são “grandes demais para quebrar”. Essa percepção alimenta a expectativa de resgates futuros e incentiva posturas mais arriscadas por parte de gestores bancários, que passam a operar contando com uma espécie de rede de proteção invisível — vide Banco Master, atualmente.
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No campo da economia, podemos citar a era da “nova matriz econômica”, quando subsídios generosos foram concedidos a setores específicos. Muitas empresas, sem competitividade real, sobreviveram graças ao apoio estatal, tornando-se dependentes de benefícios que, além de custosos, desestimulavam ganhos reais de produtividade. Quando os estímulos acabaram, veio a conta.
Como o Estado pode agir para mitigar crises e apoiar setores estratégicos sem alimentar distorções de incentivos? A resposta passa por transparência, responsabilização individual, critérios técnicos rigorosos e uma regulação sólida. Quando agentes econômicos acreditam que não pagarão pela própria imprudência, o custo da irresponsabilidade se espalha e, como sempre, é a sociedade que acaba arcando com o ônus.
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