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Tripé que sustenta a ocupação: forças estruturais podem alterar vínculos causa e efeito na economia brasileira

Tripé é formado pela ascensão da economia de serviços, a maior flexibilidade nas formas de trabalho e a vitalidade da demanda interna

Raramente vemos um descompasso tão evidente entre o que pregam os manuais de macroeconomia e o que se observa na prática como no atual mercado de trabalho brasileiro. A teoria ortodoxa ensina que uma política monetária contracionista, quando o Banco Central eleva o custo do dinheiro para conter a inflação, costuma vir acompanhada de desaceleração econômica e, inevitavelmente, de maior desemprego.

No entanto, os números mais recentes da Pnad contam outra história: a taxa de desocupação caiu para 5,6%, o menor nível da série histórica. Minha leitura é de que não se trata de um ponto fora da curva, mas sim de um indício de que forças estruturais estão redesenhando os vínculos de causa e efeito na economia brasileira.

O motor por trás dessa força inesperada está na consolidação do setor de serviços como o grande propulsor da ocupação no País. Ao contrário da indústria, mais vulnerável aos ciclos de crédito e investimento, os serviços têm mostrado resiliência.

Ao mesmo tempo, a própria configuração da força de trabalho passa por uma transformação. O número recorde de 25,9 milhões de trabalhadores por conta própria mostra uma extraordinária capacidade de adaptação. Em um mercado em que o emprego formal, também em nível histórico, não consegue absorver toda a mão de obra, milhões de brasileiros encontram na autonomia uma alternativa de renda.

Essa flexibilidade, embora levante discussões sobre precarização, funciona como válvula de escape, impedindo a elevação da taxa de desocupação e mantendo mais pessoas economicamente ativas.
Outro elemento decisivo é a renda. O rendimento médio real habitual, em alta há dez meses consecutivos, atingiu o recorde de R$ 3.484, enquanto a massa total de rendimentos alcançou R$ 352,3 bilhões. Esse volume expressivo de recursos em circulação, impulsionado por reajustes salariais reais, programas de transferência de renda e expansão do emprego, tem irrigado o consumo das famílias. É esse consumo aquecido que sustenta a demanda por serviços, do comércio aos serviços pessoais, criando um ciclo virtuoso que mantém o mercado de trabalho aquecido, mesmo diante do aperto monetário.

Mas há um efeito colateral. A força do mercado de trabalho pressiona a inflação de serviços. Em resumo, um mercado aquecido melhora o bem-estar e impulsiona o consumo, mas, ao mesmo tempo, complica o processo de desinflação. Nessa dinâmica, ganha força a expectativa de que o BC postergue ainda mais o início do ciclo de cortes da Selic.

A ascensão da economia de serviços, a maior flexibilidade nas formas de trabalho e a vitalidade da demanda interna compõem um tripé que, ao menos por enquanto, desafia a cartilha econômica tradicional e sustenta a ocupação em patamares historicamente elevados.

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