El Niño e inflação: qual a relação?
O aumento generalizado do nível de preços nas principais economias mundiais, incluindo a brasileira, tem impactado negativamente o orçamento familiar. Em especial, itens de primeira necessidade subiram mais rápido do que a renda. As causas para esse aumento, de ordem econômica ou não, influenciaram os preços de diversos produtos e serviços consumidos pelas famílias e pelas empresas. Nesse artigo, darei especial atenção para o principal grupo que compõe o índice de preços ao consumidor: os alimentos.
A alimentação é importante para nossa sobrevivência e representa uma parcela relevante do orçamento familiar. No entanto, a ida ao supermercado tem se tornado um verdadeiro desafio, dado o considerável aumento nos preços de diversos itens desde o início da pandemia. Para se ter uma ideia, de janeiro de 2020 a junho deste ano, o preço médio de tubérculos, raízes e legumes, aumentou quase 100%, ao passo que o feijão e o arroz, alimentos tradicionais na mesa do brasileiro, aumentaram cerca de 60%. Para além de políticas econômicas, guerras e oferta junto ao mercado, os itens que compõem a alimentação são sensíveis a eventos climáticos. Mas afinal, como se dá essa relação?
A influência do clima na inflação pode ser entendida por meio de alguns fatores-chave. Para ilustrar, considere dois efeitos: um na produção agrícola e outro na disponibilidade de água. Em relação à produção, eventos extremos como secas, enchentes, geadas ou ondas de calor podem afetar a colheita de culturas importantes, resultando em escassez de alimentos. A produção reduzida ou a quebra de safra podem pressionar os preços, contribuindo para a inflação. A despeito da produção, o clima pode afetar a disponibilidade de água, algo essencial para a agricultura, especialmente em áreas que não contam com sistemas de irrigação eficientes. Secas podem afetar negativamente o crescimento das culturas, diminuindo sua produção, levando a aumentos nos preços. Para além desses pontos, o clima afeta outros fatores como os custos, a logística e o transporte.
Fato é que as mudanças climáticas estão causando o aumento dos preços em todo o mundo. Um estudo do Banco Central Europeu descobriu que o aquecimento global pode aumentar a inflação entre 0,32 e 1,18 ponto percentual ao ano até 2035. Os alimentos seriam ainda mais afetados, com o risco de alta anual média de 3%. O sul global, incluindo América do Sul, tenderia a sofrer os efeitos mais acentuados.
Em geral, verões extremamente quentes aumentam o risco de inflação e instabilidade nos preços dos alimentos. Para lidar com essas mudanças, os governos precisam tomar medidas de adaptação e desaceleração do aquecimento global. Essas recomendações são fundamentadas não apenas em teorias, mas também em experiências reais. Eventos como as secas na América do Sul em 2019, incêndios florestais na Austrália em 2020 e inundações na Europa em 2021 causaram danos à infraestrutura e à produção agrícola, resultando em aumentos nos preços dos alimentos. Para o restante do ano, as estimativas de inflação já incorporam preocupações com eventos climáticos como o El Niño.
O El Niño, fenômeno caracterizado por desvios de temperatura das águas do Oceano Pacífico, pode causar uma série de impactos, incluindo secas, inundações e mudanças no padrão de chuvas. A expectativa é de um aquecimento médio de 1,3 grau de junho até dezembro deste ano, algo que irá afetar o mundo de forma distinta. Nos Estados Unidos, por exemplo, o aquecimento do Pacífico favorece o regime de chuvas entre os meses de junho até agosto, justamente após o plantio de milho e soja, momento fundamental para o bom desenvolvimento das plantas e produtividade da safra. Na América Latina, o El Niño aumenta as chuvas no Peru, mas traz seca para a Colômbia, importante produtor de café. No Brasil, o impacto difere conforme a região, aumentando a incidência de chuva na parte Sul, mas com secas nas regiões Norte e Nordeste.
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Essa mudança no padrão de chuvas tem impacto direto na produtividade de grãos no País. Com base em eventos passados, espera-se um impacto negativo para a produção, especialmente na safra de soja das regiões Norte e Nordeste, bem como na produção do milho. Para a inflação, espera-se um efeito altista, com impacto principalmente em preços de produtos in natura, mais sensíveis ao alto volume de chuvas em outras regiões.
É evidente que o clima desempenha um papel crucial nos preços dos alimentos, afetando a produção agrícola em diferentes regiões do mundo. O El Niño, em particular, pode trazer desafios para a estabilidade da inflação alimentar. Compreender essa relação complexa entre o clima e os preços dos alimentos é essencial para a busca de soluções e políticas adequadas diante dos desafios econômicos e ambientais que enfrentamos.
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