‘O rei está nu’: economia europeia precisa se reinventar com urgência, mostra relatório
As chuvas torrenciais, após as queimadas de verão em boa parte da Europa em férias merecidas de julho e agosto, e a total atenção com as eleições americanas, nos fizeram esquecer das eleições parlamentares na União Europeia e a formação do seu braço executivo, a Comissão Europeia. No fundo, ficamos com a Europa charmosa nas nossas mentes, evocada pelos Jogos Olímpicos na França, trazendo alguma novidade, histórica e linda até para emigrar para lá.
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Acabou o verão, acabaram os Jogos, e no meio da formação da nova gestão da UE, liderada de novo pela alemã Von der Leyen, que terá 40% de mulheres na equipe, com o conflito na Ucrânia sem perspectiva de terminar, foi apresentado pelo ex-Presidente do Banco Central Europeu, o italiano Mario Draghi, um relatório bomba sobre o estado atual e o futuro da economia europeia.
O relatório simplesmente diz como na peça teatral: o rei está nu. Ou seja, ou a Europa investe mais de um trilhão de reais por ano para levantar a sua produtividade e ser mais competitiva, ou não vai para lugar algum. Aliás, já não foi, porque, desde 2000, a renda per capita dos europeus cresceu 50% menos do que a dos americanos.
A Europa não tem gigantes tecnológicos, como os que mudaram a economia americana, e a sua indústria automobilística, que era a força motriz de desenvolvimento, está sendo arrasada pelos chineses.
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Na área de educação, enquanto nos Estados Unidos as universidades produzem ciência e tecnologia, os europeus produzem ciência, paper e pouca tecnologia. Enquanto 42% dos europeus são analfabetos digitais, nos EUA, por um milhão de habitantes, há 1.100 que têm conhecimento alto de matemática. Na Europa este número cai para 850.
Na área tecnológica, os europeus dominam só na área de eólicas, hidrogênio e energia hídrica. As demais tecnologias são dominadas pelos norte-americanos e asiáticos.
É um continente envelhecido não só pela população, que não renova a mão de obra e rejeita os emigrantes, envelhecido no seu modelo de desenvolvimento e, mesmo com bem estar social, terá que mudar. Já na década de 70, o francês Jean Jacques Servan-Schreiber avisou sobre o desafio e a predominância americana.
Com a União Europeia burocratizada, a divisão política sem coordenação entre os países, o conflito com a Rússia e a falta de matérias primas, sem falar da descoordenação na área de defesa, a Europa tem que se reinventar. E, para se reinventar, tem que ter também alianças como o acordo com o Mercosul. Sem arrogância, mas com realismo, alianças de cooperação para sair do buraco onde, segundo Mario Draghi, se meteu. É hoje um aliado importante mas que ficou muito, mas muito mesmo para trás. Muda Europa.
O relatório é assustador e pouco comentado pelos especialistas na Europa. Ele fala muito de tecnologia, descarbonização e energia (a eletricidade na UE é três vezes mais cara e o gás, cinco vezes, do que nos Estados Unidos) e da segurança, seja a militar, seja a dependência de materiais primas. Mas fala pouco de dependência agrícola ou de políticas migratórias. A falta de mão de obra qualificada é ligada também à educação e parece que a reforma chamada de Bologna também não produziu os resultados desejados.
A invasão russa da Crimeia não acordou os europeus para a dependência que tinham da Rússia em termos de energia. Foram obrigados a se reorganizar na área energética. Rever toda a sua fragilidade em relação à Rússia na área econômica e na defesa. Aumentou a sua dependência dos Estados Unidos, que já era grande. A Europa não fez alianças tecnológicas com empresas americanas que, como no caso da Google, agora terá que pagar adicionais quatorze bilhões de euros de impostos, ao invés de ser parceira do desenvolvimento tecnológico europeu.
A Europa também terá que rever todo suprimento nas mudanças que necessita de matérias primas. E, neste capítulo, a América Latina entra não como ator coadjuvante, mas como parceiro de igual para igual. Novos acordos terão que ser feitos, mas com certeza a Europa depende mais da AL do que o contrário.
O estudo do Draghi aponta uma outra fragilidade, que é o mercado comum que não existe e não funciona. Isso nos remete ao Brasil, que é um mercado grande, e ao Mercosul, que não funciona.
E mais, como faz falta um estudo como esse no Brasil.
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