Não é sobre roupa: o look caseiro da influenciadora na CPI das Bets

Imagem pessoal ou profissional não é mesmo sobre roupa. É sobre expressão pessoal, sobre comunicação, sobre personalidade, sobre mensagens lançadas ao seu entorno. É sobre coerência, respeito e adequação. Imagem pessoal não é sobre o que você veste, é sobre como você se veste. E mais, é sobre sensibilizar o outro. É sobre reputação. A forma como nos vestimos é um componente visível da imagem que transmitimos, mas a verdadeira imagem ultrapassa a aparência externa, envolve atitudes, valores, comunicação, comportamento, ética e postura.
Dito isso, vamos ao exemplo recente da convocada da semana passada (13/05) para depor na CPI das Apostas Esportivas, a influenciadora Virginia Fonseca. Virginia tem mais de 52 milhões de seguidores, é casada com o cantor Zé Felipe, tem 26 anos e 3 filhos. Ficou milionária postando sua vida na internet e também com as empresas que desenvolveu e promove, através das redes sociais, muita “publi”, inclusive de jogos de apostas. Aos sábados ela apresenta um programa no SBT.
Para atrair e manter seus seguidores, Virginia transforma tudo em comemoração e é acompanhada diariamente por uma horda de fãs. No dia a dia, ela posta em suas redes sociais seus looks de marca, suas compras, seus “recebidos”, divulga suas empresas e exalta sua riqueza exibindo seus luxos que incluem aviões e mansões.
Virginia Fonseca foi convocada a depor na CPI das Bets por divulgar os joguinhos que estão endividando milhões de brasileiros que sonham em ficar ricos da noite para o dia. O episódio é um exemplo concreto de como a imagem pública vai muito além da aparência e se conecta fortemente com reputação, responsabilidade e percepção social.
O depoimento da influencer era esperado. Para uma plateia de senadores ansiosos com a celebridade, em uma ocasião claramente formal, Virginia se apresentou de jeans e moletom preto com a foto da filha, cabelos soltos, maquiagem leve, óculos de aros finos e arredondados e um copo rosa de marca na mão. Uma clara visão de uma moça singela, inocente, que se veste com simplicidade, assim como a maioria dos jovens. O look doméstico e informal apresenta uma mulher jovem, humilde e mãe orgulhosa de sua prole.
A imagem e postura jovial associada a uma linguagem informal para o discurso de inocência e desconhecimento do problema (o vício em “bets”, apostas, faz estragos sociais em todo o mundo) a colocou em situação de adolescente ignorante e a deixou confortável para negar cláusulas contratuais que incluem lucros sobre as perdas dos jogadores que estimula. Mais do que isso, demonstrou descaso com a seriedade da situação, causou estranheza, críticas e passou como um deboche à liturgia do processo para quem acompanhou o depoimento. O clima formal e sério da situação foi totalmente desconsiderado, inclusive pelos senadores, com direito a pedido de selfie e vídeo, interrompendo o depoimento, por parte do senador mineiro Cleitinho Azevedo.
Para quem não sai de casa sem antes chamar uma trupe de profissionais de beleza, a forma como a influenciadora escolheu se apresentar ao Congresso Nacional chamou a atenção de forma negativa e ainda repercute na internet. A imagem pessoal e luxuosa da influenciadora, construída ao longo dos anos como empreendedora, mãe e influenciadora de sucesso, foi colocada à prova pela primeira vez em um contexto institucional e político.
Virginia tem sim responsabilidade social e ética com seus milhões de seguidores, especialmente jovens. Ao associar-se a plataformas de apostas, mesmo que legalmente, ela assume, consciente ou não, a responsabilidade ética e social de incentivar o jogo. Ou seja, sua imagem é impactada pelas decisões que toma e sua presença na CPI faz o público refletir.
Outro reflexo, Virginia frequentemente se posiciona como influenciadora familiar, ligada a valores como maternidade, fé e empreendedorismo. Ao promover casas de apostas, entra em conflito com esse discurso e isso abala sua imagem pessoal. Perdeu mais de 200 mil seguidores após o depoimento, segundo a plataforma de estatísticas Social Blade. Ou seja, imagem, em especial a pública, é uma performance social complexa, que exige leitura de ambiente, coerência entre discurso e ação, consistência com os valores que se propaga e responsabilidade com o impacto da própria influência.
Virginia segue sendo uma das maiores figuras públicas do país. No entanto, sai deste episódio com um abalo de credibilidade institucional: mesmo sem crime, sua postura pública sinalizou desinformação e descaso sobre o próprio papel como agente influente. Ou melhor, sua reputação foi colocada em risco não por atos ilegais, mas pela falta de adequação comportamental ao contexto em que estava inserida.
Diante disso, fica a pergunta: tudo isso — da escolha do look à forma de se portar — foi cuidadosamente planejado por alguém? Foi uma ação proposital? Um erro de estratégia ou, mais profundamente, uma falta de respeito e educação mesmo?
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