Sem dress code? Ainda não
Entre a imagem pessoal e a cultura corporativa, há uma nova estética em transição. O mundo está cada vez mais visual, as leituras se tornaram mais rápidas, apoiadas em imagens e ilustrações que facilitam a interação com o outro, seja no contato direto ou no ambiente virtual. Isso significa que não dá mais para deixar de olhar-se no espelho ou para si mesmo como uma fonte rica de informações sobre a sua personalidade, gostos, cultura, nível social, escolaridade entre outros.
A aparência passou a comunicar intenções, pertencimento e posicionamento. Depois de passar tantos anos em busca de se enquadrar e pertencer a um determinado grupo, aparentemente, chegamos à era da expressão pessoal, da busca da imagem exclusiva, autêntica e alinhada ao bem-estar. Será mesmo?
Observe: empresas ainda apostam em uniformes para suas equipes não só em áreas de prestação de serviço e setores que lidam com o público. Relatórios de mercado mostram que o setor global de uniformes corporativos segue em expansão e movimenta bilhões de dólares, impulsionado não só por questões de segurança, mas também por identidade de marca e padronização da imagem corporativa (Datalibrary Research, Uniforms and Workwears Market Report, 2024). No Brasil, estudos publicados na SciELO apontam que o vestuário nas organizações continua sendo um mecanismo regulador de comportamento, reforçando papéis e expectativas dentro da cultura empresarial.
Ao mesmo tempo, jovens continuam a buscar identidade e pertencimento pelos códigos grupais (cabelo, cores, tatuagens, piercings e estilo pessoal são alguns). Pesquisas recentes confirmam que essa geração que está entrando no mercado de trabalho usa a aparência como linguagem social.
O estudo “Wear Your Identity” (Intellect Discover, 2023) mostra que jovens “negociam e exibem sua identidade por meio do vestir e das modificações corporais”. Isso mostra que, para jovens, de 18 a 29 anos, a estética corporal se tornou uma forma legítima de comunicação e auto expressão, mais do que um ato de rebeldia.
No contexto profissional, essa mudança já se reflete de maneira desigual. Segundo o levantamento LinkedIn e Great Place to Work (2023), 68% das empresas brasileiras flexibilizaram seus códigos de vestimenta nos últimos anos, 42% já aceitam tatuagens visíveis e 33% não veem problema em cabelos coloridos ou piercings, desde que a aparência não interfira na função. Essa transição revela que, embora a liberdade visual esteja mais presente, os critérios de aparência ainda variam conforme o setor e o grau de formalidade.
Empresas de tecnologia e comunicação valorizam autenticidade e diversidade estética, enquanto setores mais tradicionais como o financeiro e jurídico ainda preferem um padrão visual neutro. Mulheres maduras e atuantes abandonam os saltos altos e investem em calçados mais confortáveis e estilosos. Estudos como o realizado pelo Journal of Footwear Science (PMC, 2021) indicam que mulheres acima dos 40 anos estão abandonando os saltos altos e optando por calçados mais confortáveis, ergonômicos e estilosos, alinhando estética e funcionalidade. O comportamento reflete uma nova lógica de consumo, em que conforto, saúde e autenticidade pesam tanto quanto elegância.
Pessoas voltadas para a diversidade, assimilam e treinam para usar a linguagem adequada e possuem uma imagem teoricamente independente da moda. Empresas formais fazem questão de um vestuário mais convencional. Nos setores mais conservadores, o vestuário ainda funciona como símbolo de credibilidade e hierarquia. Um estudo da IBA Online (2024) aponta que, embora o “business casual” tenha crescido, a roupa formal ainda é vista como um marcador de competência e profissionalismo.
Estes são apenas alguns exemplos de como a sociedade está dirigindo a expressão individual. Esses diferentes cenários revelam uma sociedade em processo de transição estética e comportamental. Sim, os códigos de vestimenta estão mais flexíveis e permitem o trânsito entre estilos, ambientes e papéis sociais. Mas essa flexibilidade não elimina os códigos, apenas os torna mais negociáveis e situacionais.
Estamos, portanto, diante de uma área cinzenta no comportamento contemporâneo: entre o consumo que valoriza a autenticidade e o corporativo que ainda busca uniformidade; entre a expressão individual e a necessidade de pertencimento; entre o hoje mais maleável e o ontem mais rígido. Há sim uma sociedade em processo de transição estética e comportamental. Ou seja, enquanto estivermos nesse ponto, oscilando entre o comportamento mais maleável de hoje e o comportamento rígido de ontem, vamos ter que aguardar o que o amanhã trará.
O que virá? Talvez uma nova estética da autenticidade. Novos códigos podem surgir e uma estética mais inclusiva pode se estabelecer de forma consciente e verdadeiramente plural. Por ora, a liberdade visual cresce como expressão individual, ainda que os códigos culturais continuem a orientar nossas escolhas na busca por identidade e pertencimento.
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