Liderança em diálogo

Impaciência na liderança

Queixas mais frequentes dizem respeito à entrega de tarefas que estão fora do inicialmente acordado no contrato de trabalho

A impaciência dos líderes em aceitar que algum subordinado se negue a fazer algo que seria de seu desejo é algo que tenho acessado com alguma frequência nas minhas mentorias.

As queixas mais frequentes recaem sobre a entrega de tarefas que estão fora do inicialmente acordado no contrato de trabalho. A decepção por funcionários não fazerem hora extra sem pensar em cobrar por elas, o espanto pela negativa à solicitação de divulgação de uma conquista da empresa em suas redes sociais, a dificuldade de digerir a recusa do estagiário em contribuir com a limpeza do escritório no dia em que a pessoa responsável falta por motivos de saúde, são alguns exemplos.

Para além dos julgamentos sobre egoísmo, falta de parceria, preguiça, petulância, e outros que poderiam se aplicar a esses liderados, fato é que existe um contrato entre as partes. Neste documento, assinado por ambas as partes de forma voluntária e consciente, existe a descrição da troca considerada justa: quantidade e tipo de trabalho X, trocada por quantidade de remuneração Y com adicionais ajudas de custo e benefícios, condições de satisfação (horário de trabalho, modalidade presencial ou home office…) e outros requisitos indispensáveis para a realização do trabalho (equipamentos, ferramentas, etc).

É difícil prever num contrato situações como “precisaremos eventualmente de alguém que atenda a campainha quando a pessoa responsável se atrasar”. Trata-se de uma atitude banal, simpática e solidária num momento de necessidade. Não custa tanto assim, certo?

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Tenho cá minhas desconfianças de que essa rigidez nos “nãos” dados aos chefes não se estabeleceu em resposta a desvios tão pequenos em relação aos combinados. E também acho que a percepção de “não custa nada” pode variar de acordo com seu nível de privilégio.

O exemplo da hora extra me parece o mais profícuo para demonstrar meu ponto. A pessoa do outro lado da liderança está vendendo seu tempo de vida – algo muito valioso – pelo valor que consegue barganhar para ter acesso à própria sobrevivência.

Para quem está em níveis mais baixos da hierarquia, cada hora livre tem uma importância ainda maior – são essas as pessoas que passam mais tempo em deslocamento, que não conseguem obter ajuda remunerada em abundância para outros afazeres, que talvez já não tenham na vida muitas oportunidades de descansar de fato. Para essas pessoas, uma hora significa algo muito diferente do significado que uma hora tem para seus líderes.

Do ponto de vista conceitual, entregar gratuitamente tempo de vida, contribuindo sem receber algo em troca não me parece algo irrisório.

Correndo um grande risco de me indispor com uma grande parcela das lideranças, arrisco dizer que nossa muito mal desconstruída cultura colonialista, escravista, paternalista é a responsável por esse mal-estar.

Se de fato este outro fosse respeitado em sua soberania para decidir que trocas está disposto a fazer com seus recursos, a partir de seus próprios critérios, poderia ainda haver frustração pelo desejo não realizado, mas não caberiam indignação, revolta ou qualquer outro sentimento que tivesse como pressuposto a obrigação de entregar e obedecer.

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