Liderança e a difícil tarefa de demitir
É provável que o líder precise, em algum momento, dizer adeus a um membro da equipe que não esperava ser demitido.
É possível que isso não aconteça por força das circunstâncias, que não faça parte de uma demissão em massa, que não seja em um momento de crise.
Só de escrever os parágrafos acima, já sinto um mal-estar. Não é fácil para nenhum líder com um mínimo de sensibilidade chegar à conclusão de que precisará demitir alguém por escolha própria.
Demitir é, muitas vezes, interromper unilateralmente a entrada de recursos para alguém que, como nós, precisa tanto de tantas coisas e é tão vulnerável.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
Porque um emprego, na atual forma de organização da sociedade, além de ser a maneira mais disseminada e “garantida” de obter recursos para a sobrevivência, é também fonte de convivência, pertencimento, respeito, autoafirmação, entre outros. Um líder sabe que, ao demitir, está tirando muito do colaborador e entregando quase nada em troca.
Já ouvi histórias horríveis de demissão que nascem justamente dessa consciência. A pessoa informa a decisão, diz que “não é boa em fazer isso” e já passa a combinar novas entregas para os próximos dias. A pessoa demitida fica sozinha e transtornada com a notícia, procurando inventariar suas contribuições e as consequências da perda do vínculo, enquanto o líder já está em outra, ocupado com outros afazeres.
Já fui julgada por comparar experiências de tristeza de profundidades muito diferentes e vou cometer o mesmo erro a seguir. Acredito que demitir com dignidade se assemelha a fazer um trabalho sério em cuidados paliativos antes de alguém se despedir da vida.
Ana Cláudia Quintana Arantes diz que oferecer cuidados paliativos é salvar a vida da pessoa que vai morrer. Porque salvar uma vida é mais do que manter no corpo os sinais vitais. É possibilitar que a pessoa se recorde de quem foi e morra com o sentimento de que viver valeu a pena.
Quando um líder faz uma demissão, é comum que ele se sinta, dentro da metáfora da morte, mais no papel de assassino do que de médico especialista em cuidados paliativos. E isso torna a experiência da demissão muito dolorosa para todas as partes.
Se a demissão é bem fundamentada, se outras alternativas já foram tentadas sem sucesso, então existe mesmo algo de intransponível, de sentimento de impotência. Há dor para todos os envolvidos. É possível compartilhar essa dor, mesmo do lugar desigual que é “você irá morrer, enquanto eu continuarei vivo” (até segunda ordem).
É possível, no momento da demissão, recordar o que se viveu de bom, as potências e contribuições que o funcionário trouxe para a organização, mesmo sem prometer a continuidade dessa história. É importante também ser honesto em relação ao que faltou nessa relação e à importância desses aspectos para a organização, para que a outra parte possa enlutar a perda vendo algum sentido nela.
Como qualquer amor que termina, haverá tristeza. Será necessário lidar com a perda da relação rompida e do futuro que não foi como poderia ter sido. Mais fácil para quem decide, como em qualquer amor que termina.
Nessas horas, prefiro sonhar com a possibilidade de um encontro futuro em que cada uma das partes esteja brilhando em seus locais de atuação. Quando existirá apenas a lembrança da nobreza com que foi conduzido o momento de dizer adeus.
Ouça a rádio de Minas