Liderar em família
Se o exercício da liderança é desafiador, ainda maior é a dificuldade de liderar em família.
Eu sempre fui contrária a reatar namoros que não deram certo. Num certo momento da vida, decidi colocar minha resistência à prova. Havia indícios de que estávamos, tanto eu quanto a outra parte, num outro momento, com outra maturidade. Era verdade. E ainda assim não deu certo. O peso da história e dos ressentimentos passados eram algo difícil de apagar e seguiam interferindo na relação.
Tornar-se adulto ao lado de um irmão, crescer e tornar-se independente dos pais, construir uma vida com um cônjuge: histórias tanto enriquecedoras quanto repletas de percalços, umas mais e outras menos harmoniosas, sempre cheias de informações e interpretações empilhadas sobre quem somos, quem o outro é, nossos pontos fortes e fracos.
Então essas pessoas se encontram num negócio familiar. Tudo o que é difícil cuidar, explicar, alinhar, sincronizar, compreender, relevar, renunciar, decidir numa organização de pessoas que acabaram de se conhecer, adquire traços de heroísmo quando se trata de membros da mesma família, carregados de memórias de passados próximos e distantes.
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Uma vez ouvi um conselho de um psicólogo para uma mãe cujo filho estava engajado em promover uma transformação importante de comportamento: mude a criança para outra escola. Isso porque a convivência com os amigos de longa data trataria de jogá-lo sempre no mesmo papel e mesmos comportamentos indesejados.
Se o desafio de evoluir num sistema que nos conhece desde que nascemos é grande, como gerar aprimoramentos nas relações que se mostrem importantes para o sucesso dos negócios? Como inovar numa configuração que tende a reproduzir papéis, comportamentos e padrões de decisão?
Sem achar que existe uma resposta fácil, eu diria que são imprescindíveis, em primeiro lugar, a consciência de que há provavelmente sempre algo mais do que as questões imediatas interferindo nas dinâmicas do trabalho e, em segundo lugar, a abertura para o diálogo franco num nível de profundidade mais elevado do que o usual. É como se, para desatar os nós, tivéssemos que entender que existem linhas entrelaçadas demais do que um novelo.
Também é preciso considerar que certas dinâmicas e estruturas de poder do sistema de origem tenderão a se repetir na empresa familiar, significando que alguns sofrimentos podem também ser revividos.
Acho importantíssimo que pessoas que empreendem empresas familiares possam ter um espaço de reflexão mais isento sobre os desafios relacionais que vem no pacote dessa decisão.
Por que, se são tantos os desafios, ainda existem tantas empresas familiares?
Minha hipótese mais forte é de que estamos imersos numa crise de confiança. A família ainda é um espaço de promessa de cuidado e responsabilidade mútuos, um porto seguro em que sempre se poderá apoiar. Isso é, de fato, muito valioso.
Saber que as dificuldades são antigas, saber que a pessoa não faz por mal, e que, em tudo dando errado, sempre vai existir amor pra recomeçar, é muito alentador.
Cada empresa sabe a dor e a delícia de ser o que é.
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