Liderar pelo medo
Tive um sócio que dizia que o corretor ortográfico nunca mente. Era ver exibida uma palavra que não tinha sido escrita intencionalmente para que iniciasse uma reflexão aleatória sobre o que o mecanismo de correção queria dizer.
Meu corretor mandou uma de suas verdades quando eu escrevi “fazer mais com menos” na coluna anterior. Me presenteou com “fazer mais com medos”. É sobre isso que vou escrever hoje.
Ao líder é dado o poder de direcionar e avaliar o trabalho de seus liderados, conceder recompensas e penalizar maus comportamentos e resultados ruins.
A assimetria da relação, independente dos perfis dos indivíduos, já é motivo suficiente para causar temor. Se o liderado desagradar, haverá consequências verbais, não verbais ou concretas.
Consequências concretas são todos os obstáculos para o avanço na carreira e outras limitações para o conforto na vida. Demissão, estagnação, ostracismo, distribuição desfavorável de tarefas ou de condições de trabalho.
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Consequências verbais são as advertências, as ameaças, os feedbacks negativos. Eles têm seu lugar e seu papel na gestão, mas podem ser emocionalmente desafiadoras, ainda mais quando intensificadas pelo fantasma das possíveis consequências concretas citadas anteriormente.
Outras práticas verbais menos nobres, que não deveriam fazer parte do jogo da liderança, encontram lugar numa relação assimétrica em que o medo existe. Quanto maior a dependência do elo mais frágil em relação a seu emprego e também quanto menor a preocupação da empresa, maior a liberdade do líder em cometer abusos: humilhações públicas e privadas, do assédio moral e sexual em suas formas mais “leves”.
As consequências não verbais, por sua vez, têm a corrosão do não dito, da insatisfação que se mostra de forma difusa, sem oferecer clareza ou possibilidade de diálogo. A pessoa alvo é tragada por pensamentos circulares: Sua percepção corresponde à realidade? É dirigida a ela? Como foi disparada? Diálogos internos angustiantes que em si já produzem sofrimento psíquico.
Fazer do medo uma ferramenta de gestão é muito simples e fácil. Já está tudo lá. Mesmo o líder mais cuidadoso não está livre de participar de uma relação em que o medo está instalado por padrão.
Vi inúmeros líderes que desejavam uma relação mais igualitária, de mais coragem, colaboração e franqueza se ressentirem por não conseguirem ultrapassar a barreira do medo, o que os obrigava a tomar decisões sem a visão completa das situações.
Liderar pelo medo encurta caminhos para que o desejo do líder seja executado. Isso é um perigo também para o sucesso dos negócios, Afinal, realizar o desejo de uma única pessoa, sem confrontação, num mundo complexo, é uma via de alta velocidade para resultados medíocres, na melhor das hipóteses.
Além de ser um caminho doloroso. Pessoas que baseiam seu poder no medo não costumam ter o hábito de olhar para os calos em que estão pisando.
Por outro lado, chegam ao mercado (e ao cenário social) gerações menos submissas e mais dispostas a levar o embate para as últimas consequências.
As empresas têm o dever, mas também devem ter a prudência, de combater este tipo de liderança.
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