Liderança em diálogo

Líderes e arrependimento

Há dilemas que também me atravessam ao liderar os grupos para os quais sou contratada

Esses dias uma leitora me confessou que, apesar de gostar dos conteúdos aqui colocados, muitas vezes se sente mal ao revisitar atitudes que tomou no passado como líder.

Esse depoimento me levou a pensar no que eu busco quando escrevo essas linhas. Tenho a intenção de provocar reflexões e, se possível, evitar algumas práticas nocivas consideradas normais.

Para quem fez parte desse jogo e não se orgulha disso, gostaria de lembrar que não foi você a inventar esse modo de funcionamento. Você o aprendeu.

Porque o autoritarismo estava estabelecido antes de você chegar, ao pensar em modelos de liderança da sua história, você provavelmente encontrou figuras pouco cuidadosas que serviram de modelo, e tinham algum sucesso em alcançar resultados almejados.

Porque a história é sempre contada pelos vencedores, as explicações para os (poucos) insucessos obtidos certamente não questionaram os estilos de liderança. Talvez até ajudaram a fortalecer a narrativa, pedindo por mais intensidade nas ações de sempre: mais ênfase, mais controle, mais punição…

Os incentivos e reconhecimentos também eram coerentes. Iam para pessoas com o modelo mental estabelecido, enquanto sanções e obstáculos eram abundantes para comportamentos desviantes.
Por isso mesmo é que, na relação consigo, há de haver mais autocompaixão.

Escrevo enquanto me desloco para a capital econômica do País, a trabalho. Não é uma cidade que cuida das pessoas. Ainda assim, estou indo para lá. A conversa que irei conduzir é essencialmente uma conversa sobre metas. Por mais que se tenha cuidado com as pessoas e com as relações, alguma pressão será exercida – e talvez não da forma mais justa.

Existe, em alguma medida, dilemas que também me atravessam ao liderar os grupos para os quais sou contratada.

Portanto, falo sobre cuidado não de um lugar imaculado. Falo de um lugar também enredado em lógicas desumanizantes. Falo mergulhada na impossibilidade de simplesmente me recusar a fazer os trabalhos para os quais sou contratada, uma vez que as consequências não seriam as melhores para a minha sobrevivência.

O que faço, então, para afastar o arrependimento? Me mantenho atenta, consciente e frequentemente refletindo. Procuro encontrar formas alternativas que cuidem dos objetivos enquanto respeitam a dignidade das pessoas.

Às vezes, existem limites para as minhas intenções (como certamente existem limites para as intenções de todos os líderes).

Não pretendo ser mártir e também não é esse o convite que faço aos meus leitores.

Meu papel é trazer o assunto e com ele meu incentivo, meu apoio e minha retaguarda para os momentos de dúvida. Quero ser essa voz dissonante, contrária ao fluxo narrativo majoritário que ensina a jogar um jogo que só nos desfavorece enquanto seres vivos, pensantes e sentintes.

Lembrando: é tudo inventado.

A dinâmica que nos transforma em máquinas de submissão, produtividade e destruição é inventada.

Que tenhamos coletivamente a fineza de desinventar.

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