Liderança em diálogo

Líderes e os santos de casa

Ditos populares traduzem a repetição dos padrões humanos

Sempre fui uma admiradora dos ditos populares. Com uma frase, sem pretender explicar ou provar muita coisa, eles vão atravessando os tempos. Basicamente por que se atualizam na repetição dos padrões humanos, independentemente dos contextos.

Também na liderança, aqueles ditados que conhecemos, desde que o mundo é mundo, se fazem presentes. A parte triste é que conhecê-los não nos livra de suas sinas.

“Santo de casa não faz milagre”, por exemplo. Que bela construção linguística! Milagre é o que todos nós desejamos ardentemente, de vez em quando, para dar um pouco de leveza à vida. Ter um santo milagreiro em casa seria o sonho de consumo de qualquer um, não é verdade? O dito popular está aí para nos dizer que muitas vezes os temos, mas não os ouvimos. E, por não acreditarmos nele, impedimos que o milagre ocorra. Atire a primeira pedra quem nunca deixou de ouvir uma boa ideia ou um bom conselho de alguém próximo, para num momento seguinte achar a mesma ideia muito promissora, quando vinda de um reino distante.

Essa frase inocente a respeito das santidades cotidianas também me intriga por colocar uma incerteza na confiabilidade dos santos forasteiros. Se sabemos que os santos de casa tem uma certa inconsistência e por isso não os ouvimos (ou pelo menos não acreditamos neles tão cegamente) será que a explicação para confiarmos nos santos que nos chegam de repente, parecendo muito brilhantes, seja apenas não termos acesso às inúmeras vezes que seus milagres falharam miseravelmente?

Recentemente tive uma longa conversa com um empresário que precisa reinventar sua empresa num prazo de dois anos ou ela deixaria de existir. Foi uma conversa muito interessante. Ele tentava entender que tipo de especialidade tínhamos (ou, em outras palavras, que santo milagreiro nossa consultoria se propunha a ser). Nós somos especialistas em colocar gente para conversar. Em outras palavras, fazer a Baía de todos os santos ouvirem uns aos outros e construírem juntos os caminhos para seus próprios milagres.

A força do ditado se mostra quando algum de nós, vistos como santos milagreiros enquanto somos externos, nos tornamos parte de alguma casa por aí e deixamos de ser ouvidos.

É verdade: estar imerso nas situações muitas vezes limita nosso olhar. Muitos depoimentos que recebo a respeito do trabalho se faço como mentora citam esse “olhar de fora” que parece ajudar bastante. Só nos esquecemos que também ter um olhar distanciado significa ter uma “limitação no olhar”. Cada olhar tem seus limites. A maior riqueza sempre está no encontro de diversos olhares.

Estamos falando sobre santos e milagres, então vou me permitir falar sobre a intuição na liderança. Intuição são percepções, sensações, alertas que vem sabe-se lá de onde. Talvez a neurociência explique esse fenômeno cerebral que leva a insights que o pensamento linear não é capaz de dominar, controlar, medir, explicar. Ou não.

Da posição que me cabe, posso apenas afirmar que liderar sem intuição pode ser tão arriscado quanto liderar apenas por meio dela.

Talvez nesse texto inteiro eu esteja defendendo mesmo é que devemos liderar com presença e abertura, escutando todas as vozes disponíveis e atuando com discernimento, independente de onde elas venham.

E tenho (tem o) dito.

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