O aumento da expectativa de vida e os desafios que a medicina ainda encontra na busca pela longevidade
Um fator importante ao pensar o futuro são os efeitos em cascata criados por uma mudança. E nem sempre é possível prever perfeitamente tais consequências. Para exemplificar, vou utilizar um dos eixos mais interessantes de desenvolvimento tecnológico das próximas décadas: a melhoria humana.
A medicina vem evoluindo muito nos últimos dois séculos e, com isso, a expectativa de vida humana veio subindo de 25 anos, no primeiro censo da história em 1740, para atuais 75 na média global, sendo que em diversos países este valor chega acima de 85 anos.
Uma nova onda de tecnologias de saúde se apresenta e vou pontuar aquelas que me parecem mais relevantes, mas de maneira alguma pretendo fazer um estudo sistemático aqui. Conjuntamente tais tecnologia podem aumentar ainda mais a longevidade humana potencialmente para 120 anos (ou até mais).
A primeira delas é a terapia de telômeros. Nosso ADN (ou DNA) é protegido por telômeros nas pontas, que vão sendo desgastados ao longo do tempo. Por volta de 50 anos, os telômeros acabam e os erros começam a ser introduzidos no ADN. Este é um dos principais mecanismos de envelhecimento conhecidos pela ciência hoje. Porém, em 2010, surgiu uma terapia que regenera os telômeros. O primeiro produto foi o TA-65, mas hoje já existem diversos produtos usando esta tecnologia.
O efeito deste tratamento em ratos de laboratório é de triplicar a longevidade. Em humanos ainda não há dados suficientes para afirmar qual o efeito médio, mas estima-se que possa aumentar a longevidade em 25%.
Nesta mesma direção, foi identificado nos últimos anos um gene chamado SIRT-6 que potencialmente pode ter diversos benefícios se ativado por terapia genética. Alguns dos efeitos do SIRT-6 são o aumento do metabolismo, melhora da imunidade, reparo no ADN, combate ao câncere redução das inflamações. Os efeitos totais ainda não são completamente compreendidos. Mas estima-se que a ativação do SIRT-6 pode aumentar a longevidade em outros 25%. Se os efeitos forem compostos, potencialmente a expectativa de vida de 85 anos poderia ultrapassar os 120 anos.
Uma outra linha de desenvolvimento é a de utilizar impressoras 3D para imprimir partes do corpo humano com o objetivo de substituir partes danificadas. Isto pode ir desde próteses de resina até tecido humano tais como pele e ossos e mesmo órgãos inteiros como fígado, baço, rins e pâncreas. Esta tecnologia ainda está no começo e não sabemos até onde pode se desenvolver, mas potencialmente isto pode eliminar diversas causas de mortalidade.
Uma terceira linha de desenvolvimento está na própria alimentação humana com comidas que melhoram a nutrição, combinam produtos farmacêuticos (nutriceuticals), melhoram a imunidade e idealmente reduzem a obesidade.
Uma boa parte dos problemas de saúde derivam da forma de alimentação, em particular o fato de que mudamos de uma sociedade onde comer era relativamente caro, para uma onde comer ficou relativamente barato. O problema da fome foi substituído em boa parte da sociedade humana (mas não toda) pelo da obesidade.
Porém, isto demonstra os efeitos em cascata. Uma revolução tecnológica é uma revolução cultural, isto é, mudam os hábitos, a forma de viver e a maneira pela qual as pessoas organizam seu tempo de vida. À medida em que se vive mais, os períodos de vida usuais mudam e as relações familiares também.
Numa sociedade onde a expectativa de vida média for de 120 anos teremos um “esticamento” das fases de vida. Provavelmente, as pessoas irão trabalhar até cerca de 100 anos, possivelmente tendo três ou quatro atividades produtivas ao longo deste período. Isto vai gerar um bloqueio para os jovens entrarem no mercado de trabalho e, por consequência, a adolescência deve durar até os 40 anos. Para não serem mães “adolescentes” as mulheres irão adiar a maternidade para depois dos 40 anos.
Uma revolução cultural gera uma revolução econômica, isto é, mudam as formas de organização produtivas. Alguns efeitos podem ser previstos como a necessidade de educar a força de trabalho por mais tempo, o que tem se denominado de “aprendizado por toda a vida” (Lifelong Learning). O sistema de aposentadoria terá de ser mudado para uma capitalização individual. As organizações deverão ver algo como seis ou sete gerações convivendo dentro delas.
Talvez o mais curioso nesta dimensão seja a mudança do próprio modelo de negócios de saúde, que terá de abandonar a remuneração pela cura de um problema para a remuneração pela manutenção da saúde. Isto já vem ocorrendo faz décadas por meio dos planos de saúde e seguros de saúde, mas esta mudança ainda não se completou. Médicos e hospitais deverão na prática aumentar suas receitas fazendo exames e tratamentos preventivos em pacientes cuja vida será mais longa.
Finalmente chegamos no fato de que uma revolução econômica cria uma revolução política. Aqui uma população mais velha vai alterar a forma de pensar e fazer política, sendo mais conservadora do que uma população jovem. E os custos das políticas de saúde serão reduzidos por indivíduo, gerando melhoria nas contas públicas.
Uma mudança na estrutura social raramente vem sozinha, o tecido é todo interligado e as várias dimensão mudam juntas como um efeito cascata. Mesmo não sendo possível prever totalmente tais interações, algumas das mudanças são previsíveis.
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