Coluna

Pirâmides financeiras e o caso da 123Milhas

Na semana passada, a 123 Milhas surpreendeu seus clientes ao anunciar a suspensão dos pacotes comercializados pela empresa. Conforme comunicado, passagens da linha promocional seriam suspensas e os valores já pagos deverão ser reembolsados integralmente por meio de vouchers, “acima da inflação e dos juros de mercado”. Diante da repercussão, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras convocou os sócios da 123 a depor. Além de não comparecerem, surpreenderam o mercado, uma vez mais, com um pedido de recuperação judicial. Mas, afinal, qual a relação da companhia com as chamadas pirâmides financeiras?

Considerada crime no Brasil, de acordo com a Lei 1.521, de 1951, uma pirâmide financeira é um esquema que envolve atrair participantes para investirem recursos em um sistema que, frequentemente, promete altos retornos em um curto período, sem riscos envolvidos. No entanto, em vez de gerar lucros legítimos por meio de investimentos ou atividades comerciais, esse sistema depende da constante adição de novos participantes para garantir os retornos aos participantes anteriores, utilizando o dinheiro dos novos ingressantes.

A configuração desses sistemas se assemelha a uma pirâmide: os primeiros participantes recrutados ocupam o topo e recebem uma parte dos fundos investidos pelos novos integrantes. No entanto, à medida que a pirâmide cresce e mais pessoas são recrutadas, a estrutura se torna insustentável, já que os recursos dos novos investidores podem se mostrar insuficientes para cobrir os rendimentos prometidos aos investidores. Assim, quando a entrada de novos participantes diminui ou cessa, a pirâmide desmorona, deixando a maioria dos participantes incapazes de recuperar seus investimentos.

No Brasil e no mundo, são inúmeros os casos de pirâmides financeiras. Gestada no início do século XX na figura de Charles Ponzi, o qual deu origem ao termo “esquema Ponzi”, o exemplo mais notório internacionalmente envolveu o gestor de investimentos Bernard Madoff. Dentro das fronteiras brasileiras, quem não se recorda das Fazendas Reunidas Boi Gordo? Investidores acreditavam estar aplicando seus recursos na criação de gado no interior de Goiás, com promessas de lucros superiores a 40% em pouco mais de um ano. No entanto, investigações revelaram que os clientes antigos eram remunerados com o dinheiro dos novos investidores. Outro caso, talvez o mais memorável, é o da TelexFree, uma empresa de telefonia e internet. Hoje em dia, empresas que lidam com ativos digitais, como criptomoedas, frequentemente surgem nas manchetes policiais dos jornais.

Nesse contexto, há algumas formas de se identificar uma pirâmide financeira, a começar pela promessa de altos retornos. Por si só, essa garantia deve acender um alerta em quem recebe a proposta. Afinal, em muitos investimentos, o retorno é incerto. Além disso, profissionais que atuam de forma regulada não podem por questões regulamentares realizar promessa de rentabilidade. Se ocorreu a promessa, avalie criticamente o percentual. Tome como referência os títulos de renda fixa, além de desempenhos históricos da renda variável. Em geral, essa promessa de retorno vem acompanhada da alegação de que há pouco ou nenhum risco. Porém, todos os investimentos possuem riscos, desde os tradicionais títulos de renda fixa até os ativos em renda variável. Logo, se há menção de ausência de risco, é bem provável que a “oportunidade” seja uma farsa.

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O ponto mais evidente talvez seja o recrutamento. Quando há uma exigência de recrutar novos membros para aproveitar a suposta “oportunidade”, é quase certa a chance de que você está diante de um caso de pirâmide. Além disso, a falta de informações sobre a empresa em questão, sua operação, atividade, equipe e outros detalhes essenciais para uma tomada de decisão, é um sinal preocupante. Ademais, quando o assunto é investimento, todas as empresas e profissionais que ofertam algum serviço correlato necessitam de autorização para operar. Dessa forma, é importante avaliar se há registro junto ao órgão regulador competente, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para casos relacionados ao mercado de capitais.

Mas como tudo isso se relaciona com o caso da 123 Milhas? Segundo o presidente da CPI, deputado Aureo Ribeiro (Cidadania-RJ), há suspeitas de que a operação suspensa da empresa se pagava com o dinheiro de novos entrantes. Além disso, a 123Milhas opera com milhas, ativos enquadrados no escopo de investigação da comissão. Resta saber se esse caso se juntará aos tantos outros que, sob a promessa de retorno ou usufruto rápido e com condições melhores, surrupiaram sonhos e conquistas.

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