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As miniminas cutucaram Tifão

A mitologia e a realidade da mineração predatória em Minas Gerais
As miniminas cutucaram Tifão
Foto: Reuters / Sergio Moraes

Na mitologia grega, Tifão era o mais temido dos monstros. Filho de Gaia, a Terra, e de Tártaro, o mundo inferior, ele tinha cem cabeças de serpente, cuspia fogo e espalhava destruição por onde passava. Nem mesmo os deuses ousavam enfrentá-lo sem tremer, pois sua fúria ameaçava desmoronar a ordem do mundo. Essa figura mítica, capaz de devorar céus e montanhas, serve de espelho perturbador para a realidade da mineração predatória que se enraizou em Minas Gerais e no resto do país.

O que a recente Operação Rejeito da PF revelou não foi apenas um crime de corrupção, mas a confirmação de que Tifão segue forte e não gosta de ser incomodado. Um gigante que se alimenta da própria terra, transformando rios em rejeitos e montanhas em crateras, e que, para manter sua força, espalha tentáculos de influência por órgãos públicos, gabinetes e conselhos ambientais. Assim como o monstro mitológico, a mineração predatória age com astúcia: corrompe, disfarça-se, multiplica cabeças sempre que uma é cortada.

As pequenas minas predatórias, como serpentes menores, desafiaram o gigante e todo o modus operandi foi exposto à luz, mostrando que a desordem não é exceção, mas regra. O método das miniminas foi revelado e escancarou-se também a engrenagem que sustenta Tifão: empresas de fachada, servidores cooptados, licenças compradas e decisões públicas transformadas em moeda de troca. São filhotes do mesmo caos, que demonstram o quanto a corrupção se tornou um sistema, lapidado por décadas.

A captura de órgãos ambientais, a criação de barreiras jurídicas e a transformação de instituições em peças de um jogo privado demonstram que a mineração predatória cresceu acostumada a dobrar as estruturas do Estado ao seu favor. Quando tragédias ambientais chocam a sociedade, Tifão e as serpentes menores recuam por instantes, apenas para retornarem mais fortes. A mineração predatória deseja apenas o próprio desenvolvimento e mira na produção de riqueza para si própria.

Na mitologia, coube a Zeus enfrentar Tifão e restabelecer a ordem. No nosso tempo, essa batalha não cabe a um único herói, mas a um pacto coletivo. O fortalecimento das instituições, uma imprensa mais crítica, a transparência nos licenciamentos, o controle social efetivo e a independência dos órgãos ambientais são as armas possíveis contra a besta que insiste em se reinventar.

As pequenas serpentes estão sob ataque e isso é um sinal de que nem tudo foi entregue à lógica da ganância, mas enquanto Tifão continuar a devorar a terra impunemente, ainda viveremos sob a ameaça: rios envenenados, comunidades deslocadas, montanhas profanadas, vidas ceifadas. Reconhecer que o monstro maior ainda intimida estruturas do poder público é o primeiro passo. O segundo é compreender que, se não houver coragem de enfrentá-lo, ele continuará a lapidar sua corrupção até que reste apenas cinzas no lugar do mundo que conhecemos.

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