Viver em Voz Alta

“Boas festas”, de Assis Valente

Na coluna da semana passada, recordando os Natais da minha infância, citei uma canção que Tia Júlia costumava cantar ao piano, na noite do dia 24. Ela não saiu mais da minha cabeça. Fui pesquisar a respeito e deparei-me com a impressionante biografia de seu criador, o imenso Assis Valente, igualmente responsável pela junina “Cai, cai, balão” (que, de tão famosa, parece ter existido desde sempre – mas nasceu no mesmo ano de “Boas festas”: 1933) e por “Brasil pandeiro”, de 1940, feito para Carmen Miranda, que a recusou. Mais tarde, a música explodiu na interpretação dos “Novos Baianos”, e é tida, até hoje, como um dos melhores sambas já escritos no País: “Brasil, esquentai vossos pandeiros/Iluminai os terreiros/ que nos queremos sambar”, comparável a “Aquarela do Brasil”, do ubaense Ary Barroso.

Nascido na Bahia, em 1911, Valente contava ter sido roubado dos pais e entregue a um casal que o obrigava a trabalhar, ainda criança, em troca da educação recebida. O que também aconteceu, segundo ele, com a segunda família que o abrigou, no mesmo estado. Foi ela, no entanto, que o matriculou no Liceu de Artes e Ofícios, quando percebeu o seu talento. A mudança para o Rio de Janeiro se deu em 1927. Em pouco tempo, o compositor já se enturmava com os artistas da época, tendo suas produções gravadas por grandes nomes daquele tempo, como Orlando Silva e Francisco Alves. Seu primeiro sucesso, “Tem francesa no morro”, de 1932, apareceu na voz de Aracy Cortes. Depois vieram dezenas de outros, como “Camisa Listrada”, gravada por Marlene, em 1937, e relançada por Vanessa da Mata, há poucos anos. As dificuldades financeiras e as dívidas, no entanto, acabaram por levá-lo ao desespero e a duas tentativas de suicídio (na segunda, pulou do Corcovado e teve sua queda amortecida por árvores!).

Finalmente, em 1958, alcançou o seu objetivo, ingerindo formicida assentado no banco de uma praça pública.

Na biografia de Assis Valente, de Gonçalo Junior (“Quem samba tem alegria”, Editora Civilização Brasileira, 2014, 657 páginas), os leitores descobrem que “Boas festas” foi aceita rapidamente pela gravadora RCA Vitor, cujo diretor, Mr. Evans, achou a letra extremamente triste, mas gostou da melodia. Com arranjos provavelmente de Pixinguinha, a canção apareceu na voz de Carlos Galhardo e, de imediato, conquistou o público, se convertendo, em pouco tempo, num ‘clássico’ de Natal: “Anoiteceu/ o sino gemeu/ e a gente ficou/ feliz a rezar./ Papai Noel/ Vê se você tem/ A felicidade/ Pra você me dar/ Eu pensei que todo mundo/ Fosse filho de Papai Noel/ Bem assim felicidade/ Eu pensei que fosse uma/ Brincadeira de papel/ Já faz tempo que eu pedi/Mas o meu Papai Noel não vem/Com certeza já morreu/ Ou então felicidade/ É brinquedo que não tem/Oh, anoiteceu…” 

O conteúdo continua após o "Você pode gostar".


Gosto bem da composição de Assis Valente. É contundente, mas verdadeira. Sobretudo num país como o nosso, ainda muito marcado pela questão social. Quem tem coragem de cantar, sem constrangimentos, aquela outra canção, que diz: “Como é que Papai Noel/não se esquece de ninguém/ Seja rico, seja pobre/ O velhinho sempre vem…”?

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas