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Conheça o novo livro de Maria Esther Maciel

Poeta de sólida produção, ensaísta reconhecida nacionalmente e ocupante da cadeira de número 15 da Academia Mineira de Letras, Maria Esther Maciel circula pela prosa de ficção com igual destreza (vide seus excelentes “O livro dos nomes” e “O livro de Zenóbia”).  É o que se comprova pela leitura de seu mais recente romance, “Essa coisa viva” (Todavia, 126 páginas), destacado pela imprensa de todo o país.

O tema central – a relação entre a narradora, a botânica Ana Luíza, e Matilde, sua mãe, falecida há um ano – não poderia ser mais atual e relevante. A maternidade, em suas nuances, em suas ambiguidades, em suas complexidades e em seus mistérios, e a clássica figura da mãe, tantas vezes mitificada (e até santificada), estão na ordem do dia na literatura de várias partes do mundo, dessa vez para subverter paradigmas e problematizar um assunto antes pouquíssimo abordado. A mãe virtuosa, incorruptível e sofredora, que padece no paraíso e faz de tudo para ver sua prole feliz, abre espaço agora para múltiplas e matizadas representações, provavelmente bem mais próximas do que a experiência humana registra.

No livro de Maria Esther, a questão merece tratamento corajoso e contundente, sem margem para simplificações, sentimentalismos ou pieguice. A voz de Ana Luíza se ergue a partir de memórias da infância e da adolescência, que se prolongam, se refazem e se atualizam pela vida adulta, num exercício em que lembrar e tentar esquecer são peças de um jogo que captura os movimentos da personagem e as suas emoções. Em luta constante com cenas que visitam e revisitam os seus dias, a narradora tem que se haver com sensações de dor, raiva, revolta, culpa. E inadequação. Como aceitar uma filha que não chora a morte da mãe e não sente uma imensa saudade dela, mas, antes, o alívio provocado pela sua partida? Os nomes dos distintos capítulos da obra dão um pouco a ideia de como a vida ao redor continua evocando a fortíssima presença (ainda que desagradável) da mãe morta: “Formigas e baratas”, “Coisas do quintal”, “Dentes e dentaduras”, “Chás e sapatos”, “A boneca e a bicicleta”, entre outros.

Replicada nas fotos guardadas em álbuns antigos, a imagem de Matilde é dissecada pela filha cientista. Nada escapa ao seu escrutínio: gestos, vestuário, acessórios… O olhar da observadora capta o olhar de quem ela observa: “Você, distante, com os olhos voltados para o nada, não parece sentir minha presença. A sensação que tenho hoje é de que estava beijando não a minha mãe, mas a cópia dela em tamanho natural. Não há presença, nem afeto”.

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“Aprendi num livro que os mortos só têm a força que os vivos lhes dão”, reflete Ana Luíza, no mesmo capítulo em que recebe da madrasta um maço de cartas anônimas, logo após a morte de seu pai. A autoria dos textos é, muito provavelmente, de Matilde. Ler o seu conteúdo não é tarefa fácil… Assim como é surpreendente o último capítulo da história, “Açafrão, blusas e calcinhas”, que encontra a narradora amedrontada pela pandemia da Covid-19, responsável pela morte de mais de meio milhão de brasileiros, e, ao mesmo tempo, tocada por recordações das quais não tem como escapar. Algumas, reveladas somente nas páginas finais, ainda mais terríveis que outras…

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