Jeferson Tenório aborda o racismo em “O avesso da pele”
No texto da orelha de “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório (Companhia das Letras, 189 páginas), Paulo Scott vai direto ao ponto: “Não é de graça que Tenório, além de autor premiado, é tão bem acolhido pelo público e pela crítica. Ele não faz turismo, safári social, na desgraça geral do País, não faz da crítica à desigualdade um truque, um atalho apelativo e barato, panfletário, para ter mais aceitação, reconhecimento. Estamos diante de um escritor que, correndo todos os riscos, sabe arquitetar uma boa trama e encantar o leitor.”
Nascido no Rio de Janeiro em 1977 e radicado em Porto Alegre desde os 13 anos, Tenório também assina os romances “O beijo na parede”, de 2013 (premiado pela Associação Gaúcha de Escritores e selecionado para o Plano Nacional do Livro e do Material Didático), e “Estela sem Deus”, de 2018. Mas foi com “O avesso da pele”, de agosto de 2020, que ele ganhou reputação nacional e o Jabuti de “Melhor Romance Literário”. O livro também foi finalista dos prêmios Oceanos e São Paulo de Literatura, além de já ter sido lançado em Portugal e na Itália. Há edições previstas para o Reino Unido e o Canadá. Seus direitos já foram vendidos para o cinema.
Dedicado ao filho João e tendo como epígrafe uma frase de Bernardo, em “Hamlet” (‘Quem está aí?’), “O avesso da pele” é narrado por Pedro, filho de Henrique, um professor da rede pública de ensino que acaba se tornando vítima da violência policial que, com tanta frequência, se abate sobre os brasileiros de pele preta. É especialmente tocante o modo como Pedro fala com o pai (morto) sobre o que o motivou a contar a história: “Então precisei juntar os pedaços e inventar uma história. Por isso, não estou reconstituindo esta história para você nem para minha mãe, estou reconstituindo esta história para mim. Preciso arrancar a tua ausência do meu corpo e transformá-la em vida. Para isso, não me limito ao que vocês me contaram, nem ao que estes objetos me dizem sobre você. Não acho que devemos lidar apenas com a lógica dos fatos. Prefiro uma verdade inventada, capaz de me pôr de pé.”
Tematizando o racismo presente há séculos no Brasil e sempre em linguagem precisa, que não deixa margem a dúvidas, o livro aborda como ele é capaz de determinar destinos e de moldar as relações entre as pessoas, seja no mundo do trabalho, seja nas relações familiares ou amorosas. Mas também registra como as consciências podem se transformar e se alargar a partir do contato com conhecimentos de qualidade, como acontece na cena em que Henrique assiste às aulas do professor Oliveira: “Mas quando o professor Oliveira contou para a sua turma sobre Malcom X, quando vocês conversaram sobre Martin Luther King, quando pela primeira vez você ouviu a palavra “negritude”, o seu entendimento sobre a vida tomou outra dimensão, e você se deu conta de que ser negro era mais grave do que imaginava. Foi com o professor Oliveira que você descobriu que as raças não existiam. Numa única aula, você aprendeu que a raça era uma mentira. Que a sua cor era uma invenção cruel e orquestrada pelos europeus. Descobriu que a escravidão negra foi sustentada por discursos racistas a partir do século XVIII. Ouviu o professor Oliveira falar sobre como tudo isso tinha começado.”
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