Os Natais daquele tempo
Chegávamos à casa dos tios Julia e Dario – na rua Ovídio de Andrade, atrás do Colégio Padre Machado – para jantar, por volta de oito da noite. A família, grande e animada, era a certeza de que a noite seria divertida, farta em boas conversas e nos abraços apertados, trocados sobretudo com os parentes que moravam fora de Belo Horizonte, e que víamos pouco, somente em ocasiões tristes, quando alguém falecia, ou nas festas de fim de ano. Tia Amália e Tio Paulo chegaram do Rio. Tio Leopoldo e Tia Lourdes vieram de Patrocínio. Que bom!
Os Natais da minha infância nunca foram acontecimentos melancólicos. Adorava ver a cidade enfeitada, luzes por toda parte, apostando num futuro mais harmonioso no campo da convivência humana. Até as vitrines das lojas (movidas sobretudo pelo interesse comercial) ficavam mais bonitas, remetendo sempre aos valores permanentes da paz e da esperança num mundo melhor, por conta do nascimento de Jesus. Era a boa nova que a festeira Tia Julia, natural da festeira Montes Claros, sempre anunciava ao piano da sala, quando também entoava as canções típicas dessa época. Ainda ressoa em minha memória a sua voz convicta e entusiasmada: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel…”
Lembro-me de meu pai, seus irmãos e os amigos deles em torno de rodas bem falantes, mobilizados em torno de papos articulados, em uma saudável troca de ideias sobre o Brasil e o mundo. Não era preciso alterar a voz ou gritar para que um ouvisse e entendesse o argumento do outro, mesmo que não concordasse com ele. Talvez o principal interesse de todos fosse testemunhar o talento e o engenho com que cada opinião se expressava, algo muito valorizado por todos os presentes (a maioria acostumada ao universo da advocacia), e bastante apreciado no final daqueles anos oitenta, quando a política ainda se fazia com certa arte, razoável dose de habilidade e o sempre necessário respeito mútuo, sem a necessidade de recorrer aos palavrões, às brigas, ao ódio.
Depois da sessão de piano, Tia Julia liderava uma oração coletiva, acompanhada das irmãs e das cunhadas, e seguida por todos. Um Pai Nosso, uma Ave Maria, o apreço pela figura de Nossa Senhora – homenagem silenciosa às mulheres. O foco estava na gratidão pelo ano quase vencido. Não havia ênfase nos pedidos nem em presentes. Uma austeridade saudável dominava a cena, evitando que ela descambasse para o padrão consumista que hoje domina diversas celebrações no 24 de dezembro, relegando o aniversariante da noite ao papel de simples figurante. Afinal, a pregação que fez ao longo de seus breves trinta e três anos de vida é bem difícil de ser seguida na atualidade: desapego, solidariedade, amar o próximo como a si mesmo…
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Talvez seja esse o melhor desafio a ser enfrentado nos dias de hoje: o de recuperar o chamado ‘verdadeiro espírito do Natal’. Principalmente ao longo dos meses posteriores à data, quando não há mais os incentivos das ‘resoluções de ano novo’, ainda tão vigorosas e potentes no réveillon. Não vai nisso nenhuma mensagem moralista ou qualquer lição de ‘como viver corretamente’. Nada disso. Vocalizo apenas um desejo, uma vontade, uma crença de que a gente pode ser melhor do que é. Nem que seja só um pouquinho.
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