“Os coadjuvantes”, de Clara Drummond

Lançado em abril de 2022, “Os coadjuvantes” (Companhia das Letras, 107 páginas) é o terceiro livro da jornalista Clara Drummond, também autora de “A festa é minha e eu choro se eu quiser”, de 2013, e de “A realidade devia ser proibida”, de 2015. Narrado por Vivian Noronha, uma jovem da classe média alta do Rio de Janeiro, a novela expõe, sobretudo, o modo de viver e de conviver da protagonista, em permanente conflito com os hábitos e os costumes da maioria dos integrantes de seu privilegiado meio, acostumado a facilidades inacessíveis a noventa por cento da população.
Embora faça observações às vezes irônicas, às vezes mordazes, e outras até debochadas sobre sua família, os amigos de seus pais e sobre alguns de seus próprios amigos, numa sagaz radiografia das engrenagens que movem o ambiente que habitam, Vivian também é reflexiva, examinando o tempo todo o seu comportamento e as suas atitudes. É, por isso, personagem complexa, muitas vezes contraditória e ambígua, o que é ótimo para qualquer história. Ela não surge, pois, como o estereótipo de uma menina bem de vida, preguiçosa e mimada. É mais que isso.
Ao longo da leitura, é possível acompanhar como se relaciona com a mãe, como vive a sua sexualidade, como lida com as suas emoções e a sua saúde, o que pensa sobre a política e a desigualdade econômica, num texto recheado de crítica social e de costumes. Sua voz insegura, oscilante, mas bastante irreverente, é o fio condutor do enredo e é por meio dela que conhecemos tipos divertidíssimos, como Mimi de la Blétière, ícone da alta sociedade carioca: “Mimi era uma espécie de alfândega informal daquele microcosmo social. Seu poder de veto e aprovação era quase divino entre seus pares. As reuniões semanais para rezar o terço na sua casa eram um ritual de iniciação obrigatório para quem desejasse frequentar aquele ambiente. Seu signature look a diferenciava de outras peruas: roupas largas, sempre em tons pastéis, echarpes esvoaçantes, sombra de olho em azul-céu, por toda a superfície da pálpebra, para combinar com a íris, joias poderosas, nada discretas. Segundo meu amigo Rodrigo, Mimi de la Blétière fazia cosplay de Nossa Senhora das Graças”.
O humor, como visto, é arma utilizada ao longo de toda a trama, que tem um quê de tragicômica, de agridoce. Se, por um lado, as figuras descritas por Vivian não enfrentam problemas de sobrevivência material e passam o tempo entre viagens, festas e desfiles de moda, sua vida interior é regida pelos temas das finanças e do status, gerando personalidades frívolas e superficiais: “É toda uma existência tentando agradar um grupo de pessoas incapazes de gerar afeto que não seja atravessado por dinheiro e poder”.
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Também para a narradora não é fácil a tarefa de definir-se, ainda que ela tente: “Eu não sou uma pessoa fragmentada, contraditória, ao mesmo tempo boa e má, eu sou una, coesa, hermética, sou uma personagem redonda, verossímil, que gera alguma empatia, garante algum entretenimento. É como se todos os aspectos da minha vida só ganhassem sentido após a devida moldura. Você não tem depressão, você tem capitalismo interiorizado, costuma me dizer a Marina”.
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