Opinião

Como se deu o esbulho

“Vi-a funcionar.”
(Escritor Silvio Romero, falando da
máquina de escrever de Padre Azevedo)

Arrematamos, hoje, a história do inventor brasileiro Padre Azevedo e de sua fabulosa invenção, a máquina de escrever.

“Vi-a funcionar, dando trechos de jornal para serem transcritos e ditando estrofes ou trechos orais quaisquer.” O depoimento é de ninguém nada mais nada menos que Silvio Romero. O grande escritor residiu em Pernambuco de 1868 a 1876. Atestou haver visto a máquina de escrever “admiravelmente feita de madeira, em casa do padre e exposta ao público.”

Outras personalidades ilustres registraram também para a história a impressão que lhes causou o invento. Caso do então presidente da Intendência do Rio de Janeiro, médico José Félix da Cunha Menezes, cujo depoimento é citado com destaque pelo historiador Miguel Milano.

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Consuma-se, em seguida, o grande golpe que despoja Padre Azevedo de sua invenção. Entre os visitantes da exposição permanente que o Padre Azevedo armou em torno da máquina de escrever por ele inventada figurava um cidadão de nacionalidade estadunidense, que se confessou extasiado com o que viu.

O gringo resolveu fazer uma “tentadora” proposta ao inventor: levaria a máquina para os Estados Unidos ou Europa, encarregando-se de todas as despesas de viagem, fundição e construção. Garantir-lhe-ia, em troca, participação em todos os negócios comerciais que daí pudessem originar. Manifestou, interesse em conhecer a fundo o aparelho, inteirando-se do mecanismo e funcionamento.

Apesar de advertido por amigos, que não escondiam apreensões e desconfianças, o padre Azevedo permitiu ao dito cujo o acesso às informações que pacientemente catalogara sobre o importante invento. Foi mais longe: movido por excessiva boa fé, atendeu ao pedido do visitante de que pudesse levar o modelo para os Estados Unidos, em absoluta confiança, sob o compromisso verbal de assegurar-lhe as devidas compensações.

Foi assim que o protótipo da máquina bolada por padre Azevedo saiu do país. O estrangeiro ousado deixou em poder do inventor um documento sem qualquer valor. Mais tarde, a máquina foi devolvida, desfalcada de peças fundamentais. O grande golpe acabou se consumando. Não demorou muito e a máquina de escrever explodiu como novidade no mercado. O inventor, um tal de Cristóvão Sholes, associado a uma outra pessoa, cedeu os direitos de “sua invenção” à firma E. Remington & Sons, em 1873.

O biógrafo Miguel Milano retoma a palavra: “O simples confronto entre as duas máquinas não deixou a menor dúvida de que se tratava de uma mesma máquina. Nem o pedal lhe foi suprimido, apesar de perfeitamente dispensável.” O “Comércio do Porto”, de Portugal, em notícia saída em 1876 sobre o lançamento da máquina de escrever, se encarregaria de tornar novamente manifesta a espoliação de que o sábio brasileiro se tornou vítima. A notícia, extraída de um impresso fornecido pelos fabricantes, não passou de uma reprodução literal do relatório da Exposição Nacional de 1861.

Miguel Milano, nos comentários sobre a usurpação de direitos de que foi vítima ingênua o padre Azevedo, faz questão de assinalar que, antes do inventor brasileiro, outras pessoas, em diferentes partes do mundo, se dedicaram à elaboração de instrumento que registrasse mecanicamente as palavras. Entre outros, Henry Mill, na Inglaterra; José Ravizza, na Itália; Pedro Focaut, na França; J.H. Cooper, nos Estados Unidos. Acontece, entretanto, que nenhum deles conseguiu chegar, nas tentativas efetuadas, ao modelo simples, funcional, prático, em reais condições econômicas de reprodução, idealizado pelo paraibano genial.

Paralelamente às decepções acumuladas na carreira de inventor, padre Azevedo experimentou, noutras áreas, amargos revezes. Membro da maçonaria, foi excomungado e suspenso das ordens religiosas por algum tempo. Em 1879, restituíram-lhe as ordens e levantou-se a excomunhão. Um ano depois, já de volta ao seu torrão natal, Padre Azevedo faleceu vítima de ataque de paralisia.

Os restos mortais do inventor foram recolhidos ao cemitério de Boa Esperança. Comentário de seu já mencionado biógrafo: “Digno por todos os títulos de ser apontado ao reconhecimento da humanidade em geral e dos brasileiros em particular, nada se fez até hoje que perpetue a memória do grande paraibano.”

* Jornalista ([email protected])

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