Comprar fração ideal de um imóvel é um risco
Kênio de Souza Pereira*
O ideal é que a propriedade imobiliária pertença somente a uma pessoa para fazer com ela o que bem entender. Contudo, há casos de pessoas que compram um lote cercado, pensando que esse tem matrícula regularizada no Ofício de Registro de Imóveis, quando é apenas parte de um terreno maior. Isso é muito comum em loteamentos rurais vendidos como se fossem “condomínio fechado”.
Imaginemos um terreno rural de 20.000 m², vendendo 10 “lotes” de 2.000 m² cada. Cada comprador é coproprietário de 10% dessa área. Por se tratar de imóvel rural é impossível obter matrículas de lotes com áreas menores, pois tais metragens só existem em loteamentos urbanos. A venda é efetivada, com base em um fracionamento em uma planta particular que não tem validade perante o município e o Oficial Registrador.
A venda de fração ideal de imóvel acontece também com casa ou loja construída num terreno onde há outras edificações, sem que exista uma convenção de condomínio separando as unidades de maneira a torna-las autônomas, com matrícula e guia do IPTU distintas.
A individualização da propriedade é fundamental para facilitar a sua comercialização e evitar conflitos em relação às divisas e com o pagamento dos tributos. Tendo o imóvel matrícula específica, seu proprietário fica dispensado de ter que oferecê-lo primeiro para os demais coproprietários que têm direito de preferência na compra. Por fazer parte de uma propriedade maior, que possui uma única matrícula junto ao Ofício de Registro de Imóveis, caracteriza condomínio geral, sujeito às regras dos arts. 1314 e seguintes do Código Civil e, portanto, em especial o art. 1.322.
Ao adquirir a fração ideal de um lote, o comprador pode vir a ter divergências com os demais coproprietários, sendo difícil conciliar interesses com pessoas desconhecidas. Os terrenos urbanos de maiores dimensões possuem leis municipais que determinam a metragem quadrada mínima e metragem linear de frente necessárias para que sua quota-parte possa ser desmembrada do restante e tornar-se um imóvel autônomo. Deve-se verificar sobre o risco de ser impossível desmembrá-lo de maneira a regularizá-lo.
Há ainda o problema com o pagamento do IPTU, pois a guia é única e o não pagamento por alguns coproprietários gerará o protesto em cartório, a execução e até a penhora do imóvel, negativando, inclusive, o cadastro do coproprietário que deseja pagar em dia. Diante da falta de regularidade do parcelamento do terreno não há como o município emitir uma guia de parte do terreno daquele que deseja quitar o IPTU.
Quanto à pretensão de construir em parte do terreno, haverá o risco de conflitos em relação ao potencial construtivo que implica todos os coproprietários. O proprietário do restante do terreno pode ter utilizado todo o Coeficiente de Aproveitamento (CA), ficando o comprador impossibilitado de aprovar um projeto para construir no local. Deve-se atentar ainda sobre os problemas com os recuos obrigatórios, também regidos pelas normas municipais, que podem restringir seu direito de construir.
Todas essas informações são de suma importância e deveriam ser repassadas pelo corretor de imóveis ao comprador antes do fechamento do negócio. Porém essa não é a realidade, pois há corretor de imóveis que intermedeia negócios sem o necessário cuidado e por isso é sempre bom uma consultoria à parte.
Conforme o art. 723 do Código Civil, cabe ao corretor esclarecer todos os pontos relevantes do negócio e de forma espontânea, sob pena de responder por perdas e danos. A omissão do corretor ocorre ao não alertar sobre a compra em condomínio, que gera complicações com a documentação. Por cautela deverá citar no contrato de compra e venda os detalhes da transação de maneira a deixar tudo claro para o comprador.
Confiar em informações verbais sem analisar a documentação e legislação, pode gerar riscos que depreciam em média 50% o valor do imóvel, podendo resultar numa rescisão do contrato e preocupações que poderiam ser evitadas.
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG, Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis [email protected]
Ouça a rádio de Minas